
Brenda Lee está viva. Vive nas palavras sussurradas de quem a conheceu, nos arquivos esquecidos, nas lembranças gravadas na pele de quem atravessou a epidemia de aids no Brasil. E, agora, também pulsa nas páginas de Brenda Lee – memórias entrelaçadas da aids, livro lançado na última sexta-feira (23) na Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), assinado pelo militante LGBT+, escritor e pesquisador Ubirajara Caputo.
Mais do que uma biografia, a obra é um reencontro. É uma travessia de memórias, afetos e cicatrizes que resistem ao apagamento histórico. Brenda Lee, travesti, ativista, generosa e vibrante, transformou sua casa nos anos 1980 no que seria o primeiro centro de acolhimento para pessoas vivendo com HIV no Brasil — e um dos primeiros do mundo. Quando o Estado negava, a sociedade desprezava e as famílias abandonavam, Brenda abria as portas e os braços.
Caputo entrelaça suas próprias lembranças com relatos e documentos, construindo uma tapeçaria emocional e política da resistência travesti e LGBTQIAPN+ no auge da epidemia. O livro recusa o lamento. Prefere o brilho. Prefere lembrar Brenda como ela foi: irreverente, corajosa e absolutamente entregue à luta.
Ubirajara Caputo é também autor de O Caso Bruna: Gênero, Transexualidades e Opinião Pública, vencedor do PROAC/Livros de 2017. Doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, com estágio na Universidade do Porto, ele se dedica à pesquisa sobre memória social, preconceito motivado por orientação sexual e identidade de gênero, violência escolar e direitos humanos. Caputo é ativista do movimento social LGBT+ desde o início da epidemia do HIV/aids nos anos 1980 — ele viveu, testemunhou e combateu os tempos duros que hoje resgata em palavras.
Assassinada aos 48 anos, Brenda Lee segue referência e inspiração. Sua história não é só sobre perda, mas sobre sobrevivência, afeto, rede, cuidado. “A memória não é nostalgia. A memória é ferramenta de justiça”, escreve Caputo. E é isso que o livro entrega: um convite para que as novas gerações enfrentem os desafios atuais com o mesmo espírito rebelde e amoroso que Brenda carregava.
Em tempos em que a intolerância tenta calar vozes e apagar histórias, Brenda Lee – memórias entrelaçadas da aids é um ato de resistência, uma celebração de quem soube, como poucos, transformar dor em acolhimento e abandono em amor.