
Em meio à correria da cidade, entre ruas que guardam histórias e bairros que resistem, um grupo de amigas e amigos decidiu fazer diferente. Armados de livros e sonhos, começaram a distribuir histórias pelas calçadas de São Paulo. Assim nasceu a Letraria Cultural, uma associação sem fins lucrativos que acredita, com todas as letras, que a leitura é uma ferramenta capaz de mudar destinos e abrir portas para um mundo melhor.

O que começou como um gesto simples — entregar livros a quem cruzava seus caminhos — se transformou em uma rede afetiva de voluntárias e voluntários que, desde 2020, percorrem os bairros mais esquecidos pelos olhares oficiais, levando literatura e esperança. Cidade Tiradentes, Capão Redondo, Brasilândia, Jardim Fontalis e tantos outros cantos da capital que, mais do que nunca, merecem acesso à cultura e à palavra escrita.
A pandemia chegou, e com ela a urgência de se reinventar. Se não dava para reunir as pessoas, a Letraria encontrou outro caminho: colocou livros dentro das cestas básicas distribuídas por lideranças comunitárias. Porque comida mata a fome do corpo, mas um livro alimenta a alma. E naquela fase dura, quando o medo e a solidão batiam forte, um romance, um poema, um conto chegavam como abraço invisível.

Desde então, mais de 12 mil livros já foram entregues. E quem vê os olhos brilhantes de uma criança escolhendo seu primeiro livro ou de uma senhora emocionada ao levar para casa um clássico que sempre quis ler, entende a grandeza desse trabalho. Cada livro é um presente. Cada mesa montada em praça pública é um convite à imaginação.

A escolha dos livros não é feita de qualquer jeito. Tudo ali carrega cuidado e respeito. Quando a ação é para crianças, só elas podem pegar os exemplares infantis — porque toda criança merece o direito de ter seu próprio livro. Os adultos também têm vez, podendo escolher entre romances, biografias, poesia, literatura brasileira, estrangeira, livros sobre saúde, autoconhecimento e mais. O critério é um só: livros em ótimo estado, porque quem lê merece respeito.
E para que tudo isso aconteça, existe um time generoso que doa seu tempo, sua energia e seus livros. Os exemplares chegam, são higienizados, catalogados em um sistema digital criado por um voluntário da área de tecnologia — como se fosse uma biblioteca afetiva itinerante. Cada livro leva um selo da Letraria, com um código que a pessoa pode registrar no site e contar o que achou da leitura ou da ação.

A diversidade também é marca da Letraria. A ONG faz questão de incluir livros e autores LGBTQIA+ em suas ações, reforçando que cultura é direito de todas, todos e todes. É comum ver no acervo títulos que celebram as vivências e vozes dissidentes, porque levar literatura para as periferias também é um ato de resistência contra qualquer forma de preconceito.
E não para por aí. Existe um projeto especial de confeccionar livros de tecido para bebês, incentivando desde o berço o amor pela leitura. Mais de 200 livrinhos macios e coloridos já foram distribuídos, e o objetivo é dobrar esse número, porque leitura de colo é afeto que fica.

Tudo isso só é possível porque pessoas acreditam. Gente que doa livros, tempo, talentos. Profissionais de arte, literatura, tecnologia, comunicação e gente de coração grande que chega junto porque sabe que livro não tem dono: tem destino.
A Letraria é isso. É encontro, é poesia na esquina, é palavra que abraça. E segue espalhando histórias pelas franjas da cidade, onde a cultura insiste em nascer, apesar de tudo.
