
com colaboração de Andre Shiavette
Dizem que o Orkut está voltando. Se isso é verdade ou só mais uma onda nostálgica, ninguém sabe. Mas, para quem viveu a era das comunidades, dos scraps e dos depoimentos, é impossível não sentir um certo calor no peito. E, para quem fazia parte da cena alternativa LGBTQIA+ de São Paulo, essa nostalgia tem nome, lugar e trilha sonora: Bubba.

Em 2007, Rafael Calumby, então com 23 anos, percebeu uma lacuna nas noites da cidade. Os adolescentes “alternativos” — gays, lésbicas, trans, drags em começo de jornada e quem, como Nicole, simplesmente gosta de pessoas — não tinham um espaço seguro para se divertir aos fins de semana. Frequentador de matinês de rock na Galeria do Rock e na Augusta, Calumby decidiu criar uma festa voltada para esse público volumoso, deslocado e sedento por pertencimento. Sem muita consciência de que estava, na prática, rompendo uma barreira social e cultural, organizou a primeira matinê GLS para adolescentes.
O sucesso da Bubba veio rápido. A festa se tornou um ponto de encontro não só pela ousadia das atrações ou pela vibe libertadora da pista, mas porque havia uma conexão coletiva. Era mais que uma balada: era uma comunidade. Um lugar onde corpos dissidentes podiam ser, amar e dançar sem medo. E o ambiente virtual teve papel central nisso. Desde o início, a festa não imprimia flyers físicos. Toda a divulgação era feita online — e não só isso: o próprio staff era recrutado pela internet. O Orkut foi a grande vitrine e também o confessionário, onde jovens LGBTQIA+ falavam de medos, desejos e contavam os dias para a próxima edição. Só a comunidade da Bubba na rede chegou a ter mais de 14 mil membros.
E por trás dessa estética digital ousada e colorida estava Welton Matos — fotógrafo e designer gráfico que ajudou a construir a identidade visual da Bubba e fez história ao transformar imagens, flyers e campanhas em desejo de pista. Welton foi mais que o cara das fotos. Ele capturava o espírito do que era ser jovem e LGBTQIA+ nos anos 2000. Traduzia em imagens a energia das primeiras maquiagens exageradas, dos looks de brechó misturados com tênis coloridos, das dancinhas ensaiadas na fila, das DRs na pista e dos beijos triplos no camarote.
Welton Matos lembra com carinho de momentos icônicos, como a edição com o tema cassino — que teve até translado de limusine. “A festa era super luxuosa, e eu, recém-formado em Design Gráfico, pude experimentar técnicas, tipografias e referências que via no Tumblr e no MySpace. Rafael sempre incentivava a gente a buscar o novo, a se diferenciar e a deixar uma marca. Ele acreditava no potencial de cada um e me desafiava a ir além, mesmo quando o prazo apertava”, conta.

O convite para fotografar a festa surgiu despretensiosamente. “Uma tarde de domingo, com poucos créditos no celular, liguei pro Rafael para pedir a chance de fotografar um show do Jeffree Star. Me apresentei, contei da minha vontade de ingressar nesse mercado e ofereci minhas fotos em troca da oportunidade. Ele foi super receptivo e, na semana seguinte, eu já estava fotografando a Bubba. Em menos de um mês, tinha conquistado o carinho de todo mundo.”
A confiança e o cuidado com o público faziam parte do DNA da festa. “Eu tinha o hábito de mostrar a foto antes de postar. Se a pessoa não gostasse ou pedisse pra não publicar, eu respeitava. A privacidade era prioridade pra mim. E isso me trouxe a confiança do público.”, relembra Welton. Ele também recorda os momentos inusitados: “Tinha casal proibido, beijo triplo, a galera ensaiando coreografia no banheiro e muita história engraçada de camarote pra pista. As pessoas se programavam pra ir com look montado e garantir o clique”.
Na criação dos flyers e dos posts, Welton mergulhava nas festas gringas. O Tumblr, o MySpace e comunidades alternativas eram as grandes referências. E a Bubba dialogava diretamente com esse universo de tendências internacionais, tropicalizando o hype com a cara de São Paulo. Se hoje a festa existisse no Instagram e TikTok, viralizaria fácil. As filas na porta do Castelo começavam à tarde. Era comum ver gente ensaiando dancinha, montando maquiagem no meio da calçada e produzindo conteúdo antes mesmo de saber o que era um “conteúdo”.
Anos depois, parte dessa história se perdeu em perfis antigos e HDs esquecidos. As fotos e os vídeos foram, aos poucos, retirados do ar por respeito a quem mudou de vida, por pedidos de privacidade e pela natural passagem do tempo. O blog “Isso é Buba”, que reunia todo esse material, foi desativado — mas o que se viveu ali jamais se apaga.
A Bubba foi mais que uma balada adolescente. Foi um movimento social espontâneo. Um ponto de acolhimento e resistência em uma época em que a cultura LGBTQIA+ jovem ainda era sub-representada. Onde a internet foi ferramenta de encontro, afeto e pertencimento.
E agora, com o Orkut sussurrando que talvez volte, fica a pergunta:
Será que volta?
Rafael, saudades imensas. Welton, obrigado por eternizar em imagens o que aquela geração viveu. E se voltar… pode ter certeza: o público tá pronto.




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