
O Instituto de Química (IQ) é uma unidade que se caracteriza por realizar pesquisa laboratorial associada a alto número de pós-doutores e discentes de graduação e pós-graduação. Todavia, a escassez de apoio técnico, um problema crônico, mas que se agravou substancialmente após a crise orçamentária de 2014, tem comprometido de forma decisiva a eficiência de nossas atividades de ensino e pesquisa e impactado o pleno aproveitamento dos recursos destinados a estas atividades. Consequentemente, vivenciamos hoje uma degradação das condições de trabalho que se tornou fonte de estresse, desmotivação e atrasos na execução de projetos e formação de recursos humanos.
A relevância dos técnicos de laboratório na estrutura de ensino e pesquisa de instituições de excelência mundiais é amplamente reconhecida. Esses profissionais desempenham papel crucial na manutenção de equipamentos, gestão e organização de laboratórios, execução de protocolos e experimentos complexos e treinamento de jovens pesquisadores em técnicas na fronteira do conhecimento, liberando docentes para se concentrarem em suas atividades-fim. A ausência ou insuficiência de um quadro técnico bem dimensionado frequentemente resulta em atrasos na execução de experimentos, desperdício de insumos e subutilização de equipamentos de alto custo, afetando negativamente o rendimento de financiamentos recebidos e limitando a qualidade das pesquisas desenvolvidas. Além disso, a carência de técnicos pode sobrecarregar os profissionais que permanecem em atividade, exigindo jornadas mais exaustivas e a realização de tarefas além de suas atribuições regulares. Essa sobrecarga e desvio de função podem levar a impactos tanto na saúde física quanto mental, aumentando as taxas de absenteísmo e rotatividade, e agravando ainda mais a situação nos laboratórios.
Outro impacto menos notado, mas não menos relevante, é a perda de controle sobre normas de segurança. Os técnicos de laboratório possuem treinamento específico para identificar riscos e manusear substâncias químicas de forma adequada, evitando acidentes, como explosões, derramamentos ou exposição a agentes tóxicos. A falta desses profissionais muitas vezes leva à delegação de tarefas a alunos e/ou estagiários que podem não ter a certificação necessária para poder executá-las, além de serem inexperientes, elevando significativamente os riscos de acidentes decorrentes do manuseio de equipamentos ou materiais de forma inadequada.
O IQ conta atualmente com aproximadamente 100 docentes ativamente engajados em pesquisa, em cerca de 70 laboratórios. Além destes, há cinco laboratórios didáticos que recebem milhares de estudantes todos os semestres. Para atender a tão intensa demanda, contamos atualmente com 26 técnicos e 28 especialistas de laboratório. Isso significa uma média de menos de 0,5 especialistas por laboratório, quando o ideal seria ao menos um especialista por laboratório. Mesmo nossa reconhecida Central Analítica, que agrega equipamentos de uso comum, atendendo pesquisadores provenientes de diversas unidades da USP e outras universidades, assim como empresas, conta hoje com apenas oito especialistas e um técnico de laboratório para administrar um conjunto de aproximadamente 40 equipamentos, alguns deles de grande porte e únicos no País. Dentre estes, há máquinas extremamente sofisticadas e caras, como um espectrômetro de RMN de 800 MHz e um microscópio de super-resolução STED, que estão gravemente subutilizados há vários anos, pois não há especialistas disponíveis e com a expertise adequada para utilização plena. Esforços louváveis têm sido feitos para repor o quadro de funcionários e em breve a Central Analítica receberá dois novos especialistas em laboratório concedidos no âmbito do edital Proserv, cujos concursos estão em andamento. Entretanto, essa reposição está longe de satisfazer às necessidades da Central Analítica.
Estamos cientes de que a expansão do quadro de funcionários da Universidade não é decisão trivial. Entendemos que a USP tem limitações orçamentárias e que há avaliações quantitativas de que a Universidade teria um número até excessivo de funcionários. No entanto, tememos que esta avaliação se baseie em dados globais, que combinam técnicos e funcionários administrativos, e que, ao não considerar especificidades, acabe por ignorar carências e distorções, levando a um diagnóstico impreciso. Nesse contexto, gostaríamos de chamar a atenção para a importância estratégica que países desenvolvidos têm destinado à expansão e valorização da carreira técnica laboratorial em instituições de ensino superior e pesquisa. Um exemplo notável é o relatório da TALENT Commission, do Reino Unido, que destaca a importância dos técnicos e sugere estratégias para a contratação e capacitação destes profissionais. Essa iniciativa é baseada em estudos que comprovam a importância de técnicos bem treinados não apenas para a melhor eficiência operacional dos laboratórios, mas também por maximizar os benefícios econômicos e científicos de investimentos em pesquisa. Essa iniciativa é baseada em estudos que comprovam que a presença de técnicos bem treinados não apenas melhora a eficiência operacional dos laboratórios, mas também maximiza os benefícios econômicos e científicos de investimentos em pesquisa.
Outros exemplos de iniciativas que reconhecem a importância central dos técnicos para instituições de ensino e pesquisa são o programa ARISE do EMBL e a publicação “Key attributes of successful research institutes”. Talvez menos óbvio seja o papel de técnicos na disseminação de conhecimento e na formação de alunos de graduação e pós-graduação, o que também os torna importantes contribuidores da missão de ensino da Universidade. De fato, sugerimos que o elevado tempo de formação de discentes em alguns programas de pós-graduação da USP tem um componente associado à falta de apoio técnico nos laboratórios, comprometendo a transmissão de informações sobre técnicas para as novas gerações de estudantes.
Neste cenário, gostaríamos de sugerir que a Reitoria da USP considere a realização de um estudo detalhado para avaliar as reais demandas e os ganhos potenciais – tanto em termos de produtividade científica quanto de economia de recursos – que poderiam ser alcançados com a ampliação do quadro técnico em unidades com intensa atividade de pesquisa experimental, como o IQ e congêneres. Essa análise poderia incluir estimativas do impacto financeiro direto, como a redução de custos relacionados à manutenção de equipamentos e ao desperdício de insumos, além de ganhos indiretos, como o aumento da competitividade e da visibilidade internacional da pesquisa realizada na USP. De posse de um diagnóstico mais preciso, imaginamos que seria possível produzir um plano de contratações de médio e longo prazos compatível com a disponibilidade orçamentária da Universidade.
Estamos confiantes de que a valorização da carreira técnica trará benefícios substanciais para a USP, pois trata-se de iniciativa que vai ao encontro das melhores práticas internacionais e reforça nosso papel de liderança na produção de conhecimento. Em nossa avaliação, não haveria medida mais impactante para o aumento do rendimento e da qualidade da atividade de pesquisa na USP do que a expansão e fortalecimento de seu quadro técnico laboratorial.
________________
(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)