
Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
Há pouco menos de 200 anos, o economista britânico David Ricardo desenvolveu a Teoria da Vantagem Comparativa, que pressupõe que, se cada país se dedicar ao que faz de melhor, a eficiência mundial será maior. A adoção dos conceitos de David Ricardo, de que as coisas devem ser produzidas nos países onde são mais baratas, foi o principal pilar que permitiu a expansão do comercio internacional.
Ricardo dizia que, mesmo que fosse mais eficiente em tudo que faz, um país poderia se beneficiar com as trocas comerciais com outros países. Trazendo para o contexto de hoje, é claro que os Estados Unidos podem fabricar camisas de forma muito mais eficiente, mesmo assim, é muito melhor deixar isso para Bangladesh produzi-las, por exemplo. Dessa forma, os norte-americanos poderão utilizar sua mão de obra para fabricar semicondutores, chips ou computadores, remédios e outros produtos com valor agregado muito maior. Ou seja, seria um desperdício para a nação norte-americana fabricar camisas já que outro país pode fazê-lo com custo muito mais baixo.
Mas, agora, Donald Trump contesta o conhecimento produzido sobre desenvolvimento econômico, alegando que os mesmos serviram para permitir o avanço de países asiáticos, principalmente a China. Claro que se trata de uma avaliação errada, mas, como o autor dela é o presidente do maior país do mundo, o assunto se torna um dos mais debatidos na atualidade. E com toda razão, já que a globalização é um bem para todos países, inclusive para os Estados Unidos, e precisa ser protegida e permanentemente aperfeiçoada, não dilapidada.
E com base nesse impropério, o presidente norte-americano impôs as mega taxas sobre produtos importados pelos Estados Unidos, que agora superam 135% para produtos chineses. Trump imagina que, desta forma, estimulará a produção destes mesmos produtos dentro do seu país. Esse absurdo é maior ainda se levarmos em conta que a indústria está perdendo espaço no mundo inteiro e a grande maioria dos setores que hoje crescem é ligada a comércio eletrônico e serviços, como serviços médicos ou aqueles ligados ao uso de tecnologias e inteligência artificial. Ou seja, trazer as indústrias de manufatura de volta aos Estados Unidos poderá até ser feito, mas não vai gerar os empregos que ele prometeu na campanha eleitoral em 2024.
Claro que, desde Ricardo, muita coisa mudou, e a própria Teoria da Vantagem Comparativa sofreu muitos aperfeiçoamentos importantes como, por exemplo, a Teoria da Vantagem Competitiva, criada por Michael Porter, professor de Harvard, há menos de 40 anos. Porter diz que entre as vantagens competitivas de um país estão inúmeros aspectos, como a competência e qualificação de seus recursos humanos, a infraestrutura existente ou o grau de rivalidade entre as empresas locais. Mas, para ele, recursos naturais em geral não são boas fontes de vantagens competitivas como eram para David Ricardo, e isso por que o mundo mudou muito nesse período.
Isso ficou evidente nestas últimas décadas, pois os países que se se voltaram para a produção de commodities não conseguiram avançar tanto quanto os países que fabricam produtos com alto conteúdo tecnológico.
Sem dúvida a China cresceu muito nesses últimos 35 anos porque foi hábil em saber utilizar suas vantagens competitivas que, nos anos de 1990, estavam basicamente focadas no baixo custo da sua mão de obra. Isso hoje já não é mais válido. Mas foram justamente as empresas norte-americanas que mais correram para se instalar na China e usufruir da vantagem chinesa para baixar custos de produção. Isso permitiu um crescimento estrondoso dessas empresas, que geraram muitos empregos — só que fora dos Estados Unidos.
Essa é uma verdade econômica que Trump não vai conseguir mudar. Alguém precisa explicar para ele que hoje os produtos contém partes, componentes e peças que são produzidos em diferentes países. E, nesse jogo, os Estados Unidos sempre se deram muito bem. Mudar as regras impondo as mega taxas já está levando à guerra comercial que inevitavelmente vai reduzir o tamanho do comércio intenacional e prejudicar todos os países ao mesmo tempo.
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