
Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP recebeu recursos via “matchfunding” para financiar bolsas de idiomas; bolsas de intercâmbio ainda dependem de doações
Por Isabela Nahas*

Na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, 35% dos estudantes negros têm nível baixo de inglês. Já entre os alunos brancos, essa taxa é de 9%, segundo o DataFEA de 2024. O projeto Mundo Sem Fronteiras: Idiomas para Estudantes Negros FEAnos tem o objetivo de reduzir essa desigualdade oferecendo bolsas de estudos de línguas estrangeiras para os alunos pretos e pardos da FEA. A proposta é financiada por um matchfunding, um modelo de financiamento em que o valor arrecadado é multiplicado por uma instituição. As bolsas de intercâmbio dependem de uma vaquinha virtual. Caso a vaquinha não atinja a meta de R$ 90 mil até o dia 7 de junho, o dinheiro será devolvido aos contribuidores.
Quem está fornecendo o matchfunding é a Plataforma Alas, uma iniciativa da Fundação Tide Setubal que apoia ações para a formação de lideranças negras a partir da educação acadêmica de excelência. O projeto irá quase triplicar o valor anual que os estudantes da FEA recebem pelo Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE) da USP.
A professora Adriana Marotti, presidente da Comissão de Graduação da FEA, faz parte da equipe que está realizando a iniciativa. Ela explica que “o dinheiro que a Universidade investe através da bolsa PAPFE, a gente considera que é o valor que nós arrecadamos (…). Isso já dá mais de R$ 100 mil por ano. Então, a Fundação Tide Setubal vai nos doar R$ 200 mil”.
As bolsas de línguas estrangeiras serão distribuídas aos estudantes contemplados pelas vagas PPI, que são aqueles autodeclarados pretos, pardos ou indígenas e que cursaram o ensino médio em escolas públicas. O objetivo é que todos os alunos PPI que se inscreverem recebam uma bolsa de R$ 2 mil para realizarem um semestre de aulas de inglês ou outra língua estrangeira na instituição de suas preferências. Os valores serão confirmados após o fim da arrecadação.

O projeto dará preferência para aqueles que ingressaram em 2024, ou seja, que estão no segundo ano de graduação. Essa costuma ser uma fase anterior à busca por intercâmbio e posterior à adaptação ao meio universitário. Após terminar o curso de línguas, o bolsista deverá submeter o certificado de conclusão para a USP, que irá computar as horas de aula como horas de atividade complementar.
O valor que está sendo arrecadado através do site Benfeitoria é um complemento, que será utilizado como um adicional às bolsas de intercâmbio da USP, exclusivamente para os alunos negros da FEA. “No ano passado, essa bolsa foi no valor de R$ 28 mil. E R$ 28 mil para custear um semestre no exterior não é o suficiente. Então, muitos alunos têm que complementar com o próprio dinheiro”, diz a professora. Quem não pode pagar, não tem acesso ao intercâmbio.
É preciso saber inglês
Estudantes pretos e pardos da FEA encontram dificuldades com relação ao inglês na própria sala de aula. Victor Nunes é aluno negro do último ano da graduação em Administração, recebe o PAPFE e mora no Conjunto Residencial da USP (Crusp). “Lembro que, em alguns momentos do início do curso, os professores passavam o material em inglês, como se todos ali soubessem e estivessem no mesmo nível. E meus amigos [PPI] ficavam desesperados”, lembra Victor.

O DataFEA coleta informações anuais sobre os ingressantes da faculdade. De 2023 para 2024, a quantidade de alunos PPI subiu de 20% para 32%. A porcentagem ainda está abaixo das normas da USP, que reserva 37,5% das vagas para esses estudantes. “Esses alunos vêm de escola pública e acabam tendo uma formação em língua estrangeira não tão completa quanto os que vêm da ampla concorrência (…) Então, mesmo que o aluno já tenha superado a grande barreira de conseguir estar dentro da USP e da FEA, ele acaba tendo uma dificuldade a mais para superar”, comenta Adriana Marotti.
A professora diz que as barreiras vão além da universidade, pois as melhores vagas de estágio requerem conhecimento em língua estrangeira. Victor concorda: “A maioria das vagas, principalmente dentro do mercado financeiro, que é a área onde a maioria dos estudantes da FEA acabam atuando, tem como requisito mínimo inglês fluente ou avançado. Então, é quase uma peneira social de pessoas, que acabam não tendo acesso histórico à oportunidade de aprender inglês e, novamente, ficam por fora dessas vagas.”
Victor opina que a iniciativa de distribuir bolsas é necessária e que é uma tentativa de combater a desigualdade, ajudando na permanência dos estudantes negros na faculdade. Porém, ele questiona se o projeto é suficiente: “Ele vai abranger quantas pessoas? Qual o impacto que ele vai gerar? Todos que querem vão ter acesso? Como universalizar isso? Como deixar isso disponível para todas as pessoas que não tiveram essa oportunidade ou que tenham necessidade desse aprendizado?”.
*Estagiária sob supervisão de Silvana Salles