
Leticia Calderón Chelius y May-ek Querales
Elaboramos um relato através do qual são expostos e debatidos três elementos centrais. Primeiro: é contextualizada a forma como a violência se tornou o eixo da vida contemporânea no México e como foram implementados mecanismos e figuras jurídicas para reconhecer (ainda que parcialmente) o deslocamento interno forçado, que, de não ser uma referência recorrente no país, passou a ocupar um lugar protagônico como consequência do cenário de violência crescente. Segundo: é narrada a experiência de um grupo de deslocados forçados internos mexicanos que, diante da falta de políticas públicas que lhes oferecessem proteção e assistência, viram-se obrigados a fugir do país e transformaram essa experiência em um motor de luta a partir dos Estados Unidos. Terceiro: debatemos sobre a figura jurídica do Deslocamento Interno Forçado, pois ela reconhece apenas a mobilidade forçada que ocorre no interior de um território nacional. Ou seja, a partir da experiência mexicana, buscamos mostrar como o conceito de Deslocamento Interno Forçado e sua aplicação jurídica não reconhecem a multiplicidade de experiências de migração forçada que se produziram nos albores do século XXI.
A Guerra que Ninguém Entendeu
Não sabíamos que as coisas mudariam tanto, tão rápido. O México sempre foi um país violento, há zonas que nunca deixaram de sê-lo e muitas nunca conheceram a paz; no entanto, nos primeiros anos do século XXI, alcançou-se um equilíbrio nas cifras de violência criminal que apresentavam as menores taxas de homicídios da história nacional (8 homicídios por cada 100 mil habitantes em 2007). A partir de 2008, ocorreu uma mudança súbita, “repentina, espetacular, absolutamente improvável” (Escalante Gonzalbo, 2017), que modificou substancialmente a vida no país. Primeiramente, foram os estados localizados no norte do território nacional mexicano e, posteriormente, essa violência foi se realocando para distintas zonas onde prevalece o “crime autorizado” (Schmidt e Spector, 2020).
O conceito emerge diretamente da análise da prática legal do advogado em migração Carlos Spector, que afirma, em diálogo com o politólogo Samuel Schmidt, que as organizações denominadas “Crime Organizado” trabalham junto com policiais, servidores públicos ou juízes, de um ou mais níveis de governo. Os dados empíricos mostram que muitos policiais, no âmbito das novas estratégias de segurança, não só trabalharam com/como/para pistoleiros, como alguns chegaram a formar cartéis ou a oferecer proteção para o desenvolvimento de atividades criminosas; a fusão entre autoridades legais e os atores da economia ilegal é o que eles denominam “Crime Autorizado”. A proposta ganha solidez conforme mais casos são conhecidos no México, nos quais o vínculo proposto é comprovado; como exemplo está o julgamento em que o ex-secretário de Segurança Pública do México de 2006 a 2012, Genaro García Luna, foi declarado culpado em um tribunal estadunidense por dirigir e coordenar ações com grupos de narcotráfico (Deutsche Welle, 2023). Anteriormente, em 2019, Édgar Veytia foi sentenciado em Nova York por laços com o crime organizado, já que, durante sua função como procurador-geral no estado de Nayarit, ofereceu proteção ao cartel H-2, afiliado ao cartel Beltrán Leyva, e, em troca de subornos mensais, “ordenou a outros agentes corruptos da polícia mexicana que ajudassem o cartel a partir de 2013” (Davis, 2019). Como último exemplo, e apenas de investigações amplamente divulgadas, nesta seção mencionamos o ex-governador de Veracruz, Javier Duarte Ochoa, condenado a nove anos de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa (Ángel, 2020).
O aumento desmedido da violência no país ocorreu a partir das declarações de Felipe Calderón Hinojosa, presidente do México no período 2006-2012, com as quais deu início à guerra contra o narcotráfico em dezembro de 2006, com o deslocamento das forças armadas (militares e fuzileiros navais) para os estados do país mais afetados, supostamente, por uma forte presença do crime organizado (Baixa Califórnia Norte, Coahuila, Chihuahua, Michoacán, Nuevo León e Tamaulipas). Para os especialistas em segurança nacional, essa estratégia explica como a violência criminal se agravou, aprofundou e se estendeu no país no sexênio seguinte, sob a gestão de Enrique Peña Nieto (2012-2018), situação que não conseguiu ser reduzida durante o governo de Andrés Manuel López Obrador (2018-2024). Em cada um desses governos, o uso da perspectiva militar, com nuances e estilos diferentes, tem sido uma constante no manejo da segurança pública, apesar de tal recurso ser contraindicado na abordagem de direitos humanos.
A resposta militar teve impactos diferenciados, já que a violência no México não é generalizada nem ocorre na mesma magnitude em todo o território nacional. Dessa forma, o cenário de militarização tem sido, sobretudo, recorrente em algumas zonas do país, e em outras tem sido uma estratégia mais conjuntural ou de baixa visibilidade. Essa estratégia proposta para enfrentar a violência criminal também teve diversas expressões que não se limitam a uma única região: desaparecimentos forçados, assassinatos em massa, sequestros, extorsões, acertos de contas e tráfico de pessoas; todos são crimes que ocorreram em todo o país como uma constante, embora tenha havido períodos em que a violência se agudizou em certos estados, particularmente quando os acordos entre as elites locais e os grupos criminosos que pretendem controlar os territórios são desestabilizados, como é o caso de Veracruz, cujo ex-governador, César Duarte, está atualmente na prisão.
Desde 2006, uma prática recorrente tem sido os ataques contra ativistas de direitos humanos, jornalistas e oposição política ao grupo no poder de cada região. Nesse panorama, o ataque a defensores do meio ambiente e recursos naturais tornou-se sistemático (Sánchez Mojica, 2018). Parece um roteiro que se repete nos países latino-americanos, onde os bens naturais são uma das partes do “botim de guerra”. O despojo, muitas vezes feito indiretamente através do deslocamento por violência e intimidação, é uma estratégia para a obtenção de minas, aquíferos, florestas de madeiras preciosas, agricultura de exportação (abacates e frutas vermelhas) e riqueza petrolífera, entre outros recursos. O Deslocamento Interno Forçado é, portanto, uma consequência da luta pela apropriação das riquezas naturais, o que muitas vezes se oculta, porque por trás do despojo encontram-se os interesses de empresas transnacionais de grande renome e um mercado que busca explorar esses recursos. Nesse cenário, o crime organizado é apenas o intermediário para conseguir o despojo e facilitar a adjudicação legal dos territórios a novos proprietários.
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