
Por Maria Fernanda
Por muito tempo, a narrativa dominante no cristianismo evangélico foi de que ser homossexual e ser cristão eram identidades mutuamente excludentes. Essa crença, alimentada por interpretações literais e, muitas vezes, descontextualizadas da Bíblia, levou milhões de pessoas LGBTQIAPN+ a sentirem-se afastadas de Deus e da fé.
Mas o cenário está mudando. Cada vez mais comunidades cristãs têm se levantado para afirmar que Deus é amor — e que ninguém é excluído de Sua graça.
O Peso da Exclusão Religiosa
Relatórios recentes da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) indicam que 67% dos jovens LGBTQIAPN+ que cresceram em lares religiosos sofreram algum tipo de violência espiritual. Essas violências incluem práticas como o “aconselhamento” para reorientação sexual, exorcismos e expulsões públicas.
A dor de ser rejeitado pela própria comunidade de fé, onde muitos buscavam acolhimento e pertencimento, gera traumas profundos e duradouros. Em muitos casos, leva ao afastamento não apenas da igreja, mas da própria espiritualidade.

“Deus é Amor” — O Centro da Mensagem Cristã
É impossível falar sobre fé cristã sem falar de amor. A Bíblia afirma categoricamente:
“Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.” (1 João 4:8)
Jesus Cristo, em seu ministério, desafiou as estruturas religiosas de sua época para incluir aqueles que eram marginalizados. O Evangelho de João registra:
“O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.” (João 15:12)
Se a mensagem central do Evangelho é o amor, como poderíamos imaginar que Deus rejeitaria Seus filhos e filhas por serem quem são?
Igrejas Inclusivas: Espaços de Cura e Reconstrução
Em resposta às dores da exclusão, surgiram igrejas que pregam a inclusão verdadeira e o respeito à diversidade humana.
A Igreja Cidade de Refúgio, fundada pelas apostolas Lana Holder e Rosania Rocha em São Paulo, é uma das mais emblemáticas. Ali, gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros e aliados podem cultuar livremente, sem medo de condenação.
Outras igrejas inclusivas ganham força:
- Igreja Cristã Contemporânea (Rio de Janeiro, São Paulo e outras cidades);
- Comunidade Metropolitana (diversas capitais brasileiras);
- Comunidade Refúgio em Cristo (Recife);
- Igreja Evangelho Inclusivo (Goiânia e online).
Em 2023, um levantamento do Grupo de Acolhimento Cristão Inclusivo (GACI) indicou que já existem mais de 80 igrejas inclusivas espalhadas pelo Brasil, crescendo a uma taxa de 15% ao ano.
Essas igrejas não apenas acolhem, mas também oferecem suporte espiritual, emocional e social para seus membros, demonstrando que é possível conciliar fé e identidade.
Uma Nova Leitura das Escrituras
Pastores e pastoras de igrejas inclusivas propõem uma leitura crítica da Bíblia. Eles destacam que:
- As passagens geralmente usadas para condenar a homossexualidade (como Levítico 18:22 ou Romanos 1:26-27) precisam ser lidas dentro do contexto cultural, social e histórico em que foram escritas;
- O termo “homossexualidade” nem sequer existia na língua original da Bíblia — hebraico e grego antigo;
- Jesus jamais mencionou ou condenou a homossexualidade em seus ensinamentos.
Essa abordagem, chamada de hermenêutica inclusiva, reafirma que a Bíblia fala, acima de tudo, sobre justiça, misericórdia e amor.
Reconstruindo a Espiritualidade
Para muitos LGBTQIAPN+, encontrar uma igreja inclusiva é reencontrar a fé.
“Eu passei anos achando que Deus me odiava. Hoje sei que sou parte do corpo de Cristo, do jeito que Ele me criou”, testemunha André Luiz, membro da Igreja Cristã Contemporânea em São Paulo.
O processo de cura envolve, muitas vezes, desfazer a culpa e o medo plantados por lideranças religiosas intolerantes. É um caminho de reconstrução espiritual e de reencontro com a fé em sua essência.
Amor que Transforma
A luta por reconhecimento e acolhimento dentro das igrejas ainda é grande, mas a resistência também é. E ela é movida pelo amor — amor que acredita, que persiste e que nunca falha.
“Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o amor.” (1 Coríntios 13:13)
A fé cristã, longe de ser um instrumento de opressão, pode ser — e está sendo — uma força libertadora para a comunidade LGBTQIAPN+.
Deus não abandona. Deus chama, acolhe, abraça. Porque o Evangelho é, antes de tudo, boas novas para todos.