
Por Thiago Galdino
No próximo dia 3 de abril, o cinema potiguar ganha novos capítulos com a estreia dos curtas-metragens Enquanto Você Não Estava e A Culpa é da Mãe, coproduzidos pela Fagulha Filmes e Piquê Produções. A exibição acontece às 19h, no Auditório da OAB, em Mossoró, com ingressos gratuitos disponibilizados pelo Sympla.
As produções, viabilizadas com recursos da Lei Paulo Gustavo e operacionalizadas pela Prefeitura Municipal de Mossoró, representam um marco para o audiovisual local. Em cena, duas histórias que tocam em temas sensíveis e urgentes: juventude em contexto socioeducativo e os vínculos dúbios da vida contemporânea.
Dirigido por Edson Saraiva, Enquanto Você Não Estava acompanha Rafael, um adolescente internado em um centro socioeducativo, que encontra forças nas cartas que ultrapassam os muros da instituição. O filme traz uma perspectiva real sobre a socioeducação e foi gravado com a participação ativa de adolescentes e servidores do Centro de Atendimento Socioeducativo de Mossoró.
Já o curta A Culpa é da Mãe, dirigido por Mickaelly Moreira, propõe um encontro improvável entre uma mãe sufocada pela rotina e uma artista em busca de equilíbrio, questionando identidade, culpa e as pressões sociais impostas às mulheres. A produção também reflete sobre as conexões humanas e as formas de resistência através da arte.
Com trajetórias significativas nas artes e no audiovisual, Edson e Mickaelly se encontram em um ponto comum: a potência transformadora do cinema. Nesta entrevista conjunta, os diretores compartilham seus processos criativos, desafios e perspectivas sobre o futuro da sétima arte potiguar.
A estreia dos curtas Enquanto Você Não Estava e A Culpa é da Mãe representa um marco importante para o cinema potiguar. O que significa para vocês ver essas histórias ganharem vida na tela grande?
Edson Saraiva: É um misto de sentimentos: ansiedade, medo, felicidade e orgulho. Ver um trabalho que foi sonhado nos mínimos detalhes sair do papel e ganhar vida, transbordando na alma, no olhar e na arte, me deixa extremamente realizado.
O roteiro do curta Enquanto Você Não Estava carrega muito da minha vivência como agente socioeducativo e artista, e acredito que os personagens refletem essa fusão de realidades. Talvez seja por isso que a ansiedade pela estreia seja tão intensa – pela expectativa dos olhares que irão se deparar com essa obra densa, que é tão meu dia a dia.
Mickaelly Moreira: Ver esse roteiro materializado é nos perceber resilientes. Não dá para esconder a ansiedade, o desejo de que as pessoas recebam essas histórias com o mesmo carinho com que as criamos. Esses trabalhos são resultado de um esforço coletivo e colaborativo, são muitas mãos trabalhando juntas e isso, para mim, é uma responsabilidade imensa. São pedacinhos de sonhos que se encontram aqui, no interior do RN, onde ainda existem tantos desafios para fazer o cinema acontecer.
Edson, seu curta tem uma forte ligação com o contexto socioeducativo, especialmente por ter contado com a participação dos internos e servidores do Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de Mossoró. Como foi o processo de engajar os adolescentes e os servidores na produção do filme?
Edson Saraiva: Posso dizer que foi um dos mais intensos trabalhos artísticos que já fiz, é um misto de sentimentos e de reconhecimento da importância da arte na vida de cada ser. Eu sei que quebrar barreiras sempre foi a essência da arte. No processo de produção do curta, entendemos que mais do que contar uma história, precisávamos construir pontes – entre realidades, vivências e possibilidades, isso pode ser visto na forma de falar, andar, olhar dos atores. Posso dizer que envolver os adolescentes e servidores do CASE Mossoró foi um desafio e, ao mesmo tempo, uma experiência transformadora em minha vida.
No início, havia receios, silêncios, medos, olhares desconfiados. Mas a medida que a arte foi entrando naquele espaço, algo mágico aconteceu: as histórias individuais começaram a se entrelaçar com a narrativa que pensamos para o filme. Os internos, que muitas vezes sentem que suas vozes não são ouvidas, passaram a enxergar no cinema um meio legítimo de expressão, de comunicação e de se ver em outros seres. Cada cena, cada diálogo, cada ensaio se tornou um ato de descoberta, resistência e pertencimento.
No fim, percebemos que o filme não era apenas uma obra audiovisual – era um espelho, refletindo sonhos, dores e esperanças.

Mickaelly, você possui uma trajetória marcada pelo ativismo social e pela busca por visibilidade feminina. De que maneira a vivência influencia na sua visão artística e na construção narrativa em A Culpa é da Mãe?
Mickaelly Moreira: A Culpa é da Mãe é a minha estreia como diretora solo, mas é resultado de uma formação feminista que começa bem lá atrás, desde os meus 15 anos. Sou mulher, sou feminista, sou mãe e não tem como excluir isso das minhas produções e do meu olhar quando eu entro para fazer cinema. O roteiro narra a história de uma mãe e todos os conflitos internos que ela vive para se reconhecer como mulher. É uma mãe sobrecarregada, como tantas que conhecemos. A luta para denunciar a exaustão que o patriarcado proporciona, a importância de desnudar essas estruturas dominantes que nos cercam e a poesia dessa volta para si – quando ela vê a possibilidade de se apaixonar de novo e ir se descobrindo nisso – está tudo ali… é o meu abraço nessas mulheres [culpadas].

A coprodução entre Fagulha Filmes e Piquê Produções demonstra um esforço coletivo para fortalecer o cinema local. Como foi a experiência de trabalhar com essas produtoras e quais desafios enfrentaram ao longo da produção?
Edson Saraiva: A Piquê Produções e a Fagulha Filmes foram minha certeza inicial. Seus representantes são artistas incríveis, com uma visão futurista e uma sensibilidade rara. A possibilidade de construir esse trabalho juntos foi fundamental para o resultado final do filme.
Foi um processo de multiplicação de funções e colaboração. Mesmo diante do enorme desafio de rodar um curta dentro de uma unidade de internação, sempre houve apoio entre os profissionais envolvidos.
Um aspecto particularmente desafiador foi lidar com a constante mudança no grupo de internos que nos ajudaram na construção do filme. Durante o processo, alguns receberam sua liberação da unidade, e, infelizmente, dois deles foram assassinados logo após saírem. Esse acontecimento abalou profundamente nossa equipe, trazendo um sentimento de tristeza e reflexão sobre a realidade desses jovens.
Mickaelly Moreira: A Piquê Produções surgiu na pandemia, foi o nosso respiro para continuar existindo como artistas. O audiovisual já nos atravessava de muitas formas e tínhamos acabado de ser pais (eu e Romero Oliveira). Mas, para dar conta da vida financeira, precisamos abraçar muitas demandas de mercado e o sonho de fazer cinema foi sendo escanteado por coberturas de eventos e publicidade. A gente sempre quis voltar para o que era nosso de fato e a Fagulha foi essa volta. A Fagulha nos lembra porque começamos. Os nossos projetos engavetados por falta de recursos, a nossa luta por políticas públicas para a cultura, o nosso esforço coletivo para fazer dar certo. A fagulha é a nossa arte política, é a nossa alma artista.
Trabalhar com essas produtoras, co-fundadas por mim e por Romero, é uma felicidade imensa, mas também um super desafio. A gente soma com uma equipe incrível de amigos que partilham do mesmo sonho, que se desafiam nas mesmas lutas e que fazem dar certo. Todo mundo opina, todo mundo constrói, todo mundo se orgulha do pedacinho que fez o todo acontecer.
Nós somos muitos, somos tantos e ao mesmo tempo, tão poucos. Porque as nossas produções sempre contam com essas várias funções que cada um assume no set pela limitação de recursos.

Edson, como agente socioeducativo e diretor de cinema, você vive realidades distintas, mas que se cruzam em seu filme. Como essas vivências profissionais influenciaram sua abordagem na direção de Enquanto Você Não Estava?
Edson Saraiva: Me tornei agente socioeducativo há menos de três anos, mas carrego mais de duas décadas de trajetória no teatro. A arte sempre foi minha forma de enxergar e transformar o mundo, e quando entrei no CASE Mossoró, percebi que estava diante de um espaço onde a cultura quase não chegava, mas onde ela era urgentemente necessária. O desejo de contar essas histórias que escuto a cada plantão surgiu como um chamado natural, e foi a partir de uma conversa com Mickaelly Moreira que essa ideia tomou forma. Ela me incentivou a olhar para minhas vivências dentro do CASE e transformá-las em narrativa. Assim nasceu Enquanto Você Não Estava.
Ser artista e agente socioeducativo pode parecer caminhar por realidades opostas, mas, na verdade, essas experiências se cruzam o tempo todo. No CASE, testemunho histórias intensas, marcadas pela ausência, pela saudade e pela busca por recomeços – sentimentos que atravessam todos nós, independentemente do contexto. Quando assumi a direção do filme, meu maior compromisso foi com a verdade: mostrar a rotina de uma unidade socioeducativa sem estereótipos, sem reducionismos, trazendo um olhar humano e sensível para esses jovens que quase nunca são ouvidos.
A criação do roteiro junto a Romero Oliveira e preparação da equipe foi essencial para que essa autenticidade transparecesse. Fizemos laboratórios dentro do CASE, permitindo que os atores absorvessem o ambiente e entendessem a importância daquilo que estávamos contando. O falar, o olhar, o sentir – tudo precisava ser orgânico, vivo. Meu objetivo não era apenas dirigir um filme, mas abrir um espaço onde essas vozes pudessem ecoar com força.
Minha primeira experiência como diretor de cinema me mostrou que algumas histórias parecem habitar mundos distintos, mas, na verdade, estão conectadas de forma profunda. Enquanto Você Não Estava nasceu dessa intersecção entre a arte e a realidade, e eu espero que ele consiga mostrar não apenas os desafios, mas também as possibilidades de um caminho diferente daquele que estamos acostumados a ver na mídia. O cinema, assim como o teatro, é um ato de resistência, e essa experiência me fez ter ainda mais certeza do poder transformador que a arte tem na vida das pessoas.
Mickaelly, você dirigiu o premiado videoclipe Bença, que resgata memórias e ancestralidade através da cultura das rezadeiras. Existe alguma conexão, mesmo que simbólica, entre esse trabalho e o curta A Culpa é da Mãe?
Mickaelly Moreira: Sim. A ideia de trabalhar com as rezadeiras surgiu lá no comecinho que falei. Era uma pandemia, estávamos elaborando projetos para submeter às leis emergenciais. Eu já sabia que queria falar sobre mulheres, mulheres resilientes que fazem a história acontecer. Romero se empolgou com a ideia e começou a compor a música que embala o clipe Bença, depois pensamos e criamos o clipe. Eu costumo dizer que a história das rezadeiras costuram a nossa história no audiovisual. Ainda queremos falar muito sobre elas.
A Culpa é da Mãe volta para esse meu desejo de falar sobre as mulheres e a força que as move. É sobre uma mãe e as mães são as principais responsáveis pela nossa existência. São o motor da história. Como eu disse, a Mickaelly feminista entra sempre comigo em qualquer trabalho que eu execute. Vou sempre falar para as mulheres, com as mulheres e sobre mulheres.
Os dois filmes foram realizados com recursos da Lei Paulo Gustavo e operacionalizados pela Prefeitura Municipal de Mossoró. Como avaliam o impacto desse incentivo cultural para a cena audiovisual da cidade e do Rio Grande do Norte?
Edson Saraiva: A Lei Paulo Gustavo foi fundamental para transformar muitos sonhos em realidade. Mesmo com recursos reduzidos, é notável o aumento significativo na produção de filmes no Rio Grande do Norte. Assim como a Lei Aldir Blanc, essa iniciativa deveria ser permanente, garantindo o contínuo fomento à cultura e ao audiovisual, principalmente no interior.
Mickaelly Moreira: A Lei Paulo Gustavo foi uma conquista coletiva da classe artística. O recurso, embora ainda seja limitado, viabilizou (e tem viabilizado) as produções de muitos trabalhos incríveis que estamos tendo a honra de prestigiar. Então, é resultado de uma luta que beneficia muita gente, já que essas obras vão circular nacionalmente levando o nome da nossa cidade e a resistência do nosso povo para todo o Brasil.
O Recurso movimenta a economia local, incentiva e encoraja os jovens que sonham fazer cinema e nos ajuda a identificar muitos potenciais artistas nos espaços que sentamos para conversar sobre as nossas produções.
Estamos falando do interior do Rio Grande do Norte. De um lugar onde fazer cinema requer muita coragem e resiliência, é preciso contar as nossas histórias, resgatar a nossa cultura e fomentar a nossa capacidade de fazer coisas grandiosas com a nossa arte.
Edson, a pré-estreia do seu curta aconteceu no CASE de Mossoró, um espaço que dialoga diretamente com a temática do filme. Que tipo de reação você percebeu dos internos e familiares ao assistirem à obra pela primeira vez?
Edson Saraiva: A pré-estreia de Enquanto Você Não Estava no CASE Mossoró foi um momento de imensa emoção e significado. Ver os internos assistindo a um filme que retrata sua própria realidade, suas vivências e desafios, foi algo profundamente impactante. Muitos se enxergaram na tela não apenas como personagens, mas como protagonistas de suas próprias histórias, o que gerou um sentimento forte de pertencimento. Era como se, pela primeira vez, suas vozes estivessem sendo ouvidas além dos muros da unidade. Houve risos, choro, gritos, imitações e euforia.
Outro ponto que marcou nossa pré-estreia foi como os familiares vivenciaram a experiência com intensidade. Para muitos, foi um misto de orgulho e dor – orgulho por verem seus filhos e netos representados com sensibilidade e verdade, e dor ao reviverem as ausências e dificuldades que seus parentes enfrentam dentro dos muros de uma unidade de internação. Houve lágrimas, abraços apertados e um silêncio que falava muito sobre tudo o que aquela obra despertou. Foi um abraço na alma!
Percebi que a maioria dos meus colegas agentes socioeducativos se emocionaram ao ver retratado no cinema um cotidiano que vivemos diariamente, mas que raramente ganha espaço na sociedade de forma humanizada.
Mais do que uma sessão de cinema, aquela pré-estreia foi um momento de conexão e reflexão profunda para todos que estavam ali. Foi a prova de que a arte tem o poder de atravessar barreiras, provocar diálogos e gerar pertencimento, dando visibilidade a histórias que precisam ser contadas. Foi um dia que deu ainda mais orgulho de ser artista e de poder possibilitar a entrada de arte naquele lugar.
Mickaelly, no curta Quaerenti, que você dirigiu em 2020, maternidade e pandemia são temas centrais. Agora, em A Culpa é da Mãe, a maternidade novamente está em pauta, mas de uma perspectiva mais introspectiva. De onde surgiu a inspiração para contar essa história e como foi equilibrar sua atuação com a direção?
Mickaelly Moreira: O curta Quaerenti foi finalizado em poucos dias. Muitas imagens são imagens de arquivos nossos. Estávamos esperando a nossa filha e algumas escolhas para essa espera nos renderam histórias legais – por exemplo, optamos por não saber o sexo da bebê antes que ela nascesse. Apaixonados por registros, levávamos sempre uma câmera para as consultas. Quando o festival local Quarentene-se abriu para inscrições, juntamos essas imagens e gravamos algumas outras, em casa mesmo, câmera simples, luz limitada e um roteiro escrito em alguns minutos, por nós dois.
A inspiração para os dois projetos vem do meu maternar e do maternar das mães que me cercam. Eu mergulhei no universo materno e não consigo construir algo que seja completamente alheio a mim. Tem muito de mim nas duas construções.
O equilíbrio entre atuação e direção é um desafio imenso e só foi possível porque tenho um super parceiro de trabalho que é, acima de tudo, um ator incrível. Romero assumiu a assistência de direção em A Culpa é da Mãe e me auxiliou muito enquanto produtor de elenco – sem isso, não teria conseguido conciliar as duas funções.
O roteiro de ambos os filmes (Enquanto Você Não Estava e A Culpa é da Mãe) contou com a colaboração de Romero Oliveira. Como foi a troca de ideias com ele durante a criação das histórias e que contribuições ele trouxe para os roteiros?
Edson Saraiva: Romero é um artista brilhante do nosso estado. Ele escreve, atua, compõe, toca, canta e vem desenvolvendo trabalhos no audiovisual que são extremamente necessários e completos. Ao lado de Mickaelly, formamos uma parceria genuína nesta jornada. Romero equilibra poesia e pragmatismo, enquanto Mickaelly enxerga possibilidades além do óbvio. Nossas trocas durante o processo de criação do roteiro foram intensas, fluidas e, acima de tudo, prazerosas.
Mickaelly Moreira: Romero já tem uma vasta experiência com roteiros de dramaturgia e isso facilita a construção. Além disso, ele sempre foi um apoiador para as minhas ideias, um refinador dos meus escritos. Eu sempre trago algo mais poético (beirando a crônica) e ele vai me ajudando a transformar em diálogos mais curtos.
Edson, Você tem uma longa trajetória no teatro e na atuação em espetáculos importantes de Mossoró. Em que medida essa experiência cênica contribuiu para sua visão como diretor de cinema?
Edson Saraiva: Minha trajetória no teatro iniciou em 2002, e ela foi essencial para minha construção como diretor do curta. No palco, aprendi a potência do corpo, da voz e do gesto amplificado, mas ao me aventurar na direção cinematográfica, precisei compreender uma linguagem completamente diferente – no cinema, muitas vezes, o menos é mais, mostrar é mais importante que dizer.
Posso dizer que dirigir Enquanto Você Não Estava foi um exercício constante de sutileza, de traduzir emoções com delicadeza, sem excessos, confiando na verdade dos atores e no que o enquadramento da câmera podia revelar. Foi um desafio extenso e que a presença constante de Romero Oliveira e Mickaelly Moreira foi extremamente importante nesse primeiro trabalho à frente de um filme.
A experiência cênica me ajudou a conduzir os atores com sensibilidade, a extrair interpretações orgânicas e a respeitar a verdade de cada cena. Meu olhar como ator e preparador de elenco também foi essencial para criar uma atmosfera em que cada detalhe – uma respiração, um desvio de olhar, uma pausa – fosse significativo. Foi nesse equilíbrio entre teatro e cinema que encontrei o tom do filme: intenso, mas contido; visceral, mas silencioso. Acho que é isso!
Mickaelly, a exposição virtual Brincadeira de Menina trouxe reflexões sobre gênero, infância e a influência do machismo e do patriarcado. Agora, com o curta, você aborda as pressões sociais sobre a figura materna. Como você enxerga a relação entre esses projetos na construção de uma identidade feminista e crítica no audiovisual?
Mickaelly Moreira: Os dois projetos são partes de um mesmo caminho, atravessados pela minha forma de contar histórias. A exposição virtual Brincadeira de Menina propõe reflexões sobre como o gênero é imposto desde a infância e a A Culpa é da Mãe amplia esse debate mostrando como essas imposições continuam ao longo da vida.
Além de mulher, sou mãe de menina e essa sementinha que tenho plantado é parte do mundo que quero ajudar a transformar por ela e para ela.
No audiovisual, contar histórias é um ato político. E começa na luta pelo direito de contá-las, já que o nosso setor ainda é permeado por muito machismo. Existir enquanto mulher nesse cenário é resultado de lutas que já vem sendo travadas a um bom tempo. Sou mulher artista e demorei a me reconhecer assim… Talvez seja essa a necessidade de ser sempre incentivada e encorajada a materializar um projeto meu. Nos sets de gravação ainda somos rodeadas por homens e precisamos nos impor para que sejamos ouvidas e respeitadas.
Cada nova obra é um ato de resistência, é uma luta política que se fortalece, é um espacinho que vou tomando como meu e é parte de um caminho que vou abrindo para as mulheres que estão vindo depois de mim.
A estreia será no Auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um espaço significativo para a cultura local. Como vocês esperam que o público reaja às histórias e qual é a principal mensagem que desejam deixar?
Edson Saraiva: Acredito que o curta provocará inquietude e reflexão nos espectadores, pois retrata uma realidade raramente exposta. Assim como aconteceu na pré-estreia, espero que o público se emocione e, acima de tudo, compreenda o impacto que pode ter na vida de jovens que, muitas vezes, não têm acesso nem ao básico.
Mickaelly Moreira: A gente sempre espera que as pessoas reajam da melhor forma possível, que as discussões sejam fortalecidas e que os filmes as convidem a pensar a partir das suas próprias experiências. Desejo muito tocá-las e abraçá-las com cada trechinho do roteiro que surgiu de um lugar tão íntimo e de conversas com pessoas tão amadas. Foram dias falando sobre maternidade, psicanálise, amor, autoestima e temas que são muito valiosos para mim.
Em termos técnicos e artísticos, quais foram os maiores desafios enfrentados durante a produção dos curtas e como os superaram?
Edson Saraiva: Foram muitos desafios ao longo do processo. Acredito que os dois principais foram, primeiro, a liberação para rodar o filme dentro de uma unidade de internação socioeducativa, um ambiente com suas próprias dinâmicas e logística, onde a qualquer momento as gravações poderiam ser interrompidas por alguma ocorrência na unidade. O segundo grande obstáculo foi o orçamento reduzido, que contrastava com a necessidade de uma equipe minimamente estruturada para dar conta da produção.
A superação veio do apoio entre nossos pares, da vontade coletiva de fazer arte e cultura naquele espaço, com o desejo de fazer dar certo.
Mickaelly Moreira: Nós enfrentamos muitos desafios. O baixo orçamento é o principal deles. Aliado a isso, vem a ausência de dedicação exclusiva do tempo ao filme – já que a minha dinâmica de vida envolve os trabalhos publicitários que preciso fazer para conseguir sobreviver financeiramente, os cuidados do lar que são historicamente “destinados” às mulheres e a maternidade em tempo integral (que, como sabemos, é uma tarefa exaustiva e muitas vezes, invisibilizada). Tudo isso culminou em uma locação que não era a esperada e na limitação em relação aos equipamentos que utilizamos e ao tamanho da equipe.
Superamos com uma rede de apoio que somou forças na construção desse trabalho. A equipe assumiu duplas e triplas funções em todas as etapas do projeto e a Ribeiro Produções se disponibilizou para o empréstimo de alguns equipamentos que utilizamos.

Pensando no futuro, quais são os próximos passos para os filmes após a estreia e como visualizam a trajetória deles em festivais e mostras de cinema?
Edson Saraiva: O curta já foi submetido aos principais festivais atualmente com inscrições abertas. Além disso, teve uma exibição fechada no Fórum dos Gestores Estaduais do Sistema Socioeducativo (FONACRIAD), em São Paulo. Também recebeu um convite do presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Norte (FUNDASE) para ser exibido em todas as unidades da instituição, ampliando seu alcance e impacto.
Mickaelly Moreira: O filme já está submetido aos principais festivais que estão abertos, locais, nacionais e internacionais, a ideia é levar o cinema potiguar para o mundo.
Além disso, também desejo levar o filme para lugares onde o cinema dificilmente chega, como grupos de mulheres, donas de casa, comunidades periféricas, escolas públicas, e também para comunidades surdas e pessoas com deficiência. Quero garantir que essas histórias cheguem a todos de forma inclusiva, promovendo uma troca de experiências que nos permita aprender, crescer e somar para os próximos projetos.
Serviço:
Data: 03 de abril de 2025
Horário: 19h
Local: Auditório da OAB, Mossoró/RN
Ingressos: Gratuitos (Link para retirada)