
Por Sofia Missiato
No último fim de semana, o Parque Estadual dos Pireneus, entre as serras de Cocalzinho e Pirenópolis (GO), foi palco de mais uma edição do Cocalcinhas, o maior festival feminino de escalada do Brasil. Reunindo cerca de 380 pessoas, o evento chegou à sua 9ª edição consolidado como um dos principais encontros da cena de boulder nacional, um espaço de celebração, protagonismo e acolhimento para as mulheres nas montanhas.
A história do festival começou de forma simples, quase improvisada, como contou Mariana Amorin, uma das organizadoras e escaladora há 20 anos. “Tudo começou em 2011, no Dia D da escalada. A gente quis reunir as poucas mulheres da região de Goiânia e Brasília que frequentavam o parque e fazer uma celebração entre a gente. Porque a presença feminina na escalada era muito pequena naquela época.”
Naquele primeiro encontro, não havia camiseta, inscrição ou estrutura. Apenas o seco cerrado de Goiás, os blocos de granito e umas dez mulheres compartilhando risos, pele na pedra e um desejo comum: se verem representadas. A brincadeira cresceu e, dois anos depois, em 2013 já foi tomando mais forma, dando origem ao Cocalcinhas como conhecemos hoje.
Erika de Carvalho Golzaga, também à frente da organização e com 15 anos de escalada nas costas, relembra: “A ideia sempre foi celebrar a força feminina, mas sem excluir ninguém. Os homens sempre foram bem-vindos. A gente quer ser respeitada por eles também. É sobre construir junto, mas com visibilidade para as mulheres.”
Desafios em ascensão
Se o festival cresceu, os desafios também. “Produzir um evento desse tamanho é muito complexo. A gente precisa cuidar da segurança, alimentação, estrutura, e tudo isso depende de recursos. Ainda hoje é difícil conseguir grandes patrocinadores, apesar de termos apoio de marcas e da prefeitura da cidade”, conta Erika. Em 2023, o número de participantes chegou a 320 inscritos e foi preciso limitar as vagas pela primeira vez, em nome da segurança e da qualidade da experiência.
A falta de verbas é um entrave constante. Segundo Mariana, a organização trabalha com cenários: o mínimo viável, o ideal e o dos sonhos. “Cada escolha que fazemos tem um impacto. E como os custos sobem, a gente precisa correr atrás o tempo todo para garantir que o festival continue sendo acessível e potente.”
Transformações em curso
Ao longo dos anos, o Cocalcinhas tem sido também termômetro da evolução feminina na escalada brasileira. “Quando começamos, era muito difícil encontrar outras mulheres para escalar. Hoje, ver esse tanto de mulher na pedra é emocionante. A escalada virou um estilo de vida acessível para mais gente”, diz Erika.
Essa expansão tem relação direta com o surgimento de novos ginásios urbanos e a visibilidade olímpica do esporte. Mas, nas regiões mais afastadas, como o próprio entorno do Parque dos Pireneus, a realidade ainda é diferente. “Aqui não tem muro de escalada, mas tem um potencial imenso. Por isso criamos ações com as moradoras locais, para apresentar a escalada como algo que também pode ser delas”, afirma Mariana.
Iniciativas como a vivência com as meninas de Cocalzinho e projetos como o Gueto Lebe mostram que o Cocalcinhas não é apenas um festival: é uma plataforma de inclusão.
Inspiração que escala
Ao ser perguntada se o festival inspirou outros eventos pelo Brasil, Mariana responde sem hesitar: “Acredito que sim. Temos contato com festivais em outras regiões, como o de Igatu. Mais do que influência, é uma troca. As mulheres estão criando esses espaços, ocupando o esporte, fazendo acontecer.”
E se depender da energia que se viu neste fim de semana em Cocal, o futuro da escalada feminina no Brasil continua firme, e com muito magnéio nas mãos.
Além de celebrar a força das mulheres na escalada, o Cocalcinhas também inspira reflexões sobre como o esporte e a educação podem transformar vidas. Um exemplo dessa potência é o trabalho do Instituto Rizoma, projeto social que atua em regiões periféricas como o Capão Redondo (SP), promovendo educação integral e desenvolvimento socioemocional para crianças e adolescentes. Assim como o festival, o Rizoma acredita no protagonismo como ferramenta de mudança: seja na rocha ou na sala de aula, toda criança e jovem merece espaço, escuta e incentivo para escalar os próprios desafios.