
Presidente dos EUA autorizou tarifa de 100% e afirmou que indústria cinematográfica americana está ‘morrendo muito rápido’ por conta de incentivos de outros países. O famoso Letreiro de Hollywood, em Los Angeles, em imagem registrada às 11h38 (6h38, no horário local) de 9 de janeiro de 2025
Damian Dovarganes/AP
Neste domingo (4), Donald Trump chamou a atenção da indústria cinematográfica ao anunciar uma tarifa de 100% em filmes produzidos fora dos EUA e que chegam ao país.
Ele disse que autorizou o Departamento do Comércio e o Escritório do Representante Comercial dos EUA a instituir a tarifa porque a indústria cinematográfica dos Estados Unidos está morrendo “muito rápido”.
Sem dar grandes detalhes de como e onde seriam aplicadas essa tarifa, Trump afirmou que os incentivos de outros países para atrair cineastas e estúdios são “um esforço conjunto de outras nações e, portanto, uma ameaça à Segurança Nacional”.
No comunicado, Trump ainda usou letras maiúsculas para dizer que “nós queremos filmes feitos na América, novamente”.
“Há muita incerteza, e esta última medida levanta mais perguntas do que respostas”, diz Paolo Pescatore, analista da PP Foresight, à agência de notícias Reuters. “Não parece algo que vá acontecer no curto prazo, pois todos estarão lutando para entender todo o processo. Inevitavelmente, os custos serão repassados aos consumidores.”
“É, no mínimo, curioso ver os EUA tendo uma posição tão clara em defesa da soberania do audiovisual, sendo um mercado que já ocupa o mercado mundial algumas vezes de forma predatória”, afirma ao g1 Felipe Lopes, presidente da Associação Nacional das Distribuidoras Audiovisuais Independentes (Andai).
“Não ficou claro nem como seria a nova taxação nem quando a mesma seria implementada. Além da possibilidade de tentar manter produções gravadas no país com uma medida extrema, há uma lógica protecionista das obras americanas frente ao crescimento do audiovisual de outros países.”
O que pretende Trump?
Segundo Andrew Pulver, editor de cinema do jornal “Guardian”, Trump teria como alvo a terceirização da produção pelos estúdios de Hollywood, que há décadas utilizam estúdios e locações no exterior para reduzir custos e aproveitar cenários interessantes ou incomuns.
Segundo ele, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, além de países europeus como Hungria e Itália, são usados frequentemente como base para a produção cinematográfica dos EUA.
Alguns exemplos recentes são:
“Missão: Impossível – O Acerto Final”, previsto para ser lançado em maio de 2025. O longa foi gravado em grande parte no Reino Unido, mas também conta com cenas em Malta, Noruega, África do Sul e Itália.
“Thunderbolts*”, nova aposta da Mavel, tem uma de suas principais cenas gravada na Malásia. Além disso, conta com sua trilha sonora gravada nos estúdios Abbey Road, em Londres.
Como serão aplicadas as taxas?
Trump não deixou claro como serão aplicadas as taxas. Até porque, filmes não são objetos manufaturados que passam por portos de tributação. Eles são propriedade intelectual e não representam, atualmente, nenhum tipo de serviço sujeito a tarifas. Então não fica claro quem seria taxado nem como essa taxação seria feita.
Outra questão é que a declaração de Trump não especificou se a tarifa se aplicaria a produtoras americanas que produzem filmes no exterior. E nem se seriam somente a elas, como se especula.
Outra dúvida que fica é se essas tarifas seriam aplicadas também em serviços de streaming ou, até, em salas de cinema.
Além disso, há um questionamento sobre o que, especificamente, seria tributado. E, também, quem vai pagar essa conta.
“De onde vem o dinheiro? Do roteiro, do diretor, do talento, de onde foi filmado?”, questionou Timothy Richards, fundador da rede de cinemas europeia Vue, em entrevista ao programa Today da BBC Radio 4.
Impacto internacional
Segundo representantes da indústria cinematográfica, caso as tarifas sejam aplicadas sobre produções americanas filmadas fora dos EUA, elas podem representar um “golpe fatal” para o mercado.
Afinal, há anos os estúdios trocam Hollywood, onde custos são altos e há poucos incentivos discais, por destinos internacionais – em locais que podem oferecer até metade do dinheiro gasto de volta às produtoras.
“Mas não se trata apenas do financiamento em si. Um dos motivos pelos quais o Reino Unido se saiu tão bem é que temos algumas das equipes de filmagem e produção mais experientes e qualificadas do mundo”, explica Richards.
Como impactaria o Brasil?
Para o presidente da Andai, algum tipo de taxação imposta por Trump pode não afetar tanto diretamente as bilheterias de produções brasileiras.
“Na prática, parece não mudar muito o cenário para os filmes brasileiros, que já debilmente chegam ao mercado americano de exibição, mas talvez possam ter algum impacto negativo ao se pensar que o catalogo de filmes internacionais disponíveis para exibição nos EUA pelas plataformas tende a ficar ainda menor”, diz Lopes.
Ele lembra que países na Europa já têm políticas de defesa e incentivo das produções locais e afirma que esta é uma oportunidade para que o Brasil fortaleça as próprias medidas.
“É fundamental que haja, no Brasil, uma política em defesa de nossa soberania. E essa soberania também imaginativa, com diversidade de olhares, conferindo expressão e significado de nosso país e nosso povo através do audiovisual. Isso justamente em defesa frente a um desequilíbrio econômico na disputa frente a grandes potências como os EUA e a empresas com muito poder econômico”, afirma.
“Assim como já ocorre em países da Europa, o Brasil também discute formas de tributar as Big Techs ou forçá-las a investir parte de sua receita em conteúdo local. Que esta fala mostre que é fundamental que também tenhamos aqui cotas de investimento em produção audiovisual nacional; taxações sobre receita bruta de plataformas digitais; e obrigatoriedade de catalogar e destacar conteúdo local.”
Por G1