
Por Juliana Gomes
Um filme sobre afeto, liberdade e envelhecer com dignidade. Mas, no Irã, isso basta para virar crime. Os diretores de Meu Bolo Favorito, Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, foram condenados a 14 meses de prisão por mostrarem uma mulher sem hijab na tela. Também estão proibidos de deixar o país e de trabalhar com cinema pelos próximos dois anos.
Isso não é ficção. É repressão real.
O governo iraniano classificou o filme como “obsceno” e acusou os cineastas de fazerem propaganda contra o regime. O motivo? Uma personagem de 70 anos decide sair de casa, viver um encontro, tirar o véu. É isso. A liberdade incomoda tanto que virou motivo de sentença.
O cinema como ameaça ao poder
Essa não é a primeira vez que artistas são perseguidos no Irã. E não é à toa. O cinema iraniano tem sido uma das vozes mais potentes contra o autoritarismo. Jafar Panahi, Mohammad Rasoulof, Keywan Karimi e tantos outros diretores já enfrentaram censura, prisão e banimento. A arte que rompe silêncios, que denuncia desigualdades e questiona a autoridade, é vista como arma. Porque ela mobiliza, emociona, desperta.
Depois da morte de Mahsa Amini, em 2022, presa por usar o véu “de forma inadequada” e assassinada sob custódia policial, o país explodiu em protestos liderados por mulheres e juventudes. O grito coletivo por liberdade virou alvo do Estado. E o regime, ao invés de escutar, respondeu com mais repressão. Mostrar uma mulher vivendo, escolhendo, sentindo — tudo isso é visto como insubordinação.
A luta das mulheres iranianas
O véu obrigatório é apenas a ponta do iceberg. Por trás dele, existe um controle do corpo, da voz e da autonomia das mulheres. Meu Bolo Favorito escolheu contar a história de Mahin, uma viúva de 70 anos, que quer viver um novo amor. Uma personagem que rompe com o lugar social que lhe foi imposto. Ela não grita, não protesta, não se rebela com palavras. Mas sai de casa, se maquia, tira o hijab e deseja. Isso, no Irã, é revolucionário. E é também o que torna o filme perigoso aos olhos do regime.
A solidariedade internacional
A condenação gerou reação no mundo todo. Cineastas como Pedro Almodóvar, Juliette Binoche, Asghar Farhadi, Hiam Abbas e muitas outras vozes do cinema se posicionaram em defesa dos diretores. Uma carta aberta foi divulgada por organizações como o Festival de Cannes e a European Film Academy. A pressão internacional conseguiu suspender temporariamente a pena, mas o recado foi dado: quem ousa filmar o que o regime quer esconder, paga caro.
Um ato de coragem
Meu Bolo Favorito não é um grito, é um sussurro que incomoda. Um filme que fala de intimidade, envelhecimento, desejo e liberdade. Uma narrativa que escolhe a delicadeza como resistência. O filme ainda não estreou no Brasil, mas já passou por festivais como a Berlinale e o Festival de Gotemburgo, arrancando aplausos e prêmios. Onde o Estado vê ameaça, o mundo vê poesia e urgência. E a gente precisa falar sobre isso, espalhar, resistir junto.
Por que isso importa?
Porque, enquanto artistas são presos por mostrar a realidade, a gente segue contando essas histórias. Porque liberdade de expressão não é privilégio — é direito. E a arte não pode ser calada. Porque cada voz que se levanta no Irã ressoa no mundo. E cada gesto de solidariedade fortalece quem resiste.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine Ninja. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine Ninja ou Mídia NINJA.