os riscos jurídicos da preservação da arquitetura sem seus acervos – Jornal da USP

De partida, é preciso observar que os órgãos de preservação do nosso país – capitaneados pelo Iphan – têm feito muito pouco, para não dizer nada, pela preservação deste valoroso patrimônio nacional. A despeito de ações e mobilizações por parte da sociedade civil e das universidades, pouco se avançou desde que o acervo do arquiteto Paulo Mendes da Rocha foi expatriado no ano de 2020, momento em que o debate ganhou corpo entre os brasileiros. Neste interim, foi criada a Rede de Acervos de Arquitetura e Urbanismo (2019), fortalecendo a relação entre entes responsáveis pela guarda de acervos; o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) estabeleceu uma resolução com diretrizes para tratamento técnico para arquivos de arquitetura (2024) e, mesmo sendo uma instância que, por lei, deve construir políticas públicas, se resumiu a instituir um mero manual de boas práticas. Por sua vez, as universidades realizaram dezenas de seminários, publicaram livros e criaram grupos de pesquisa dedicados ao tema; e o Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasil não se furtou ao debate, alertando, reiteradamente, o IPHAN sobre a necessidade de preservação destes documentos.
Neste ponto, a matéria publicada pelo Jornal de Brasília é didática. A preservação qualificada de conjuntos edificados pressupõe um respaldo jurídico, que se ancora nos desenhos técnicos, nos acervos de arquitetura. Um bem tombado que necessite de restauro, carece de documentos comprobatórios, para que o trabalho de técnicos responsáveis tenha respaldo jurídico. O Iphan, portanto, e qualquer outro órgão de preservação precisam de tais documentos para que seus trabalhos estejam legalmente estruturados. A ausência destes documentos pode resultar na abertura de questionamentos por parte Ministério Público Federal, com a possibilidade de processos por improbidade contra os representantes legais.
Como restaurar edifícios tombados e projetados pelo arquiteto Lúcio Costa, quando seus documentos – originais – não estão mais no Brasil? Como é possível manter um patrimônio sem respaldo documental, jurídico? Como defender uma cidade que é símbolo da nossa democracia sem respaldo legal?
A morosidade por parte do Iphan e outros entes responsáveis em tomar ações qualificadas para a preservação e manutenção desta documentação em solo nacional representa um risco à nossa cultura e aponta para uma neocolonização, material e simbólica, dos acervos nacionais retirados de nosso território. Mais que isso, é um atentado à legalidade, no sentido jurídico, do patrimônio cultural brasileiro.
Será que os arquitetos e urbanistas de fato se incomodam com essas questões?
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