
Por Juliana Gomes
O cinema tem o poder de dar voz ao que muitas vezes permanece inaudível. Em Manas, Marianna Brennand não apenas narra uma história de resistência feminina, mas constrói uma experiência sensorial onde a geografia, o silêncio e a cultura amazônica dialogam com a protagonista e o público. O filme, que conquistou o prêmio Bisato d’Oro no Festival de Veneza e estreou na 37ª edição do Cinélatino, em Toulouse (França), aborda a violência de gênero de forma sutil, sem mostrar as agressões de maneira explícita.
Enquanto Manas segue conquistando reconhecimento internacional, um dos elementos mais impactantes da obra é a forma como o filme constrói sua atmosfera, transformando a Ilha de Marajó em um espaço que molda a identidade e o destino de suas personagens. Neste artigo, nos aprofundamos em como Manas utiliza elementos visuais, culturais e sonoros para contar uma história de opressão e ruptura, transformando cada detalhe em um componente essencial da trama.
A geografia e a cultura amazônica no enredo
A Ilha de Marajó não é apenas um cenário, mas um personagem que influencia diretamente a vida de Marcielle, uma jovem de 13 anos que vive em uma comunidade ribeirinha com sua família. A vastidão das águas representa tanto conexão quanto isolamento, refletindo a realidade de muitas meninas da região. A cultura marajoara permeia o filme, desde os costumes e crenças até as dificuldades impostas pelo isolamento geográfico. Marianna Brennand captura com sensibilidade as nuances da vida na Amazônia, apresentando uma realidade frequentemente invisibilizada no cinema nacional.
O silêncio como forma de linguagem
Em Manas, o silêncio é uma ferramenta narrativa poderosa. A diretora opta por uma abordagem que valoriza gestos e olhares, onde o não dito carrega um peso significativo. A relação de Marcielle com sua família e com o ambiente ao seu redor é explorada através de sutilezas, revelando a profundidade das emoções e dos conflitos internos sem a necessidade de diálogos extensos. Essa escolha estilística contribui para a imersão do espectador e reforça a crueza da história.
A fotografia e a estética
A fotografia de Manas não apenas ilustra, mas amplia o impacto emocional do filme. A paleta de cores transita entre tons quentes e sombras marcantes, contrastando o ambiente natural com a brutalidade da realidade de Marcielle. A luz natural da ilha é utilizada para enfatizar tanto a beleza da paisagem quanto a dureza do cotidiano. Não há romantização da pobreza, mas também não se faz um retrato puramente sombrio. O filme equilibra a aridez da vida de Marcielle com momentos de ternura, ainda que escassos.
Dira Paes e a continuidade do cinema de mulheres fortes
Embora o protagonismo da história esteja com Jamilli Correa, a presença de Dira Paes adiciona camadas de profundidade à narrativa. Conhecida por interpretar personagens femininas marcantes, Dira representa uma linhagem de mulheres fortes no cinema nacional. Sua atuação em Manas reforça a crueza da história e conecta o filme a um legado de obras que exploram as múltiplas faces da feminilidade no Brasil.
Um cinema sensorial e urgente
Manas não é um filme que apenas se assiste — ele se sente na pele. Marianna Brennand nos desafia a olhar além do óbvio, a escutar o que não é dito e a perceber que, muitas vezes, o maior grito é aquele que não se ouve. O longa se firma como um retrato contundente da realidade de muitas meninas invisibilizadas pelo sistema. Mais do que isso, Manas é uma obra sobre resistência, sobre quebrar ciclos e sobre encontrar força mesmo quando tudo parece querer silenciar a sua voz.
O filme chega aos cinemas no dia 15 de maio, mas antes disso, ele desembarcará na Nave Coletiva (SP) para uma pré-estreia gratuita. Saiba mais aqui.