
O Portal Inhaí se soma a diversas entidades na assinatura de uma nota pública contrária à Resolução nº 2.427/2025 do Conselho Federal de Medicina (CFM), divulgada no dia 16 de abril.
Em desacordo com os avanços científicos já consolidados em centenas de estudos, protocolos de saúde amplamente adotados e práticas internacionais bem-sucedidas, a resolução impõe restrições preocupantes ao acesso de pessoas trans a cuidados fundamentais de saúde. Tais limitações não apenas contrariam evidências técnico-científicas, mas também colocam em risco a dignidade e a existência de uma parcela já vulnerabilizada da população.
Reafirmamos nosso compromisso com os direitos humanos, a equidade no cuidado em saúde e o respeito às identidades de gênero. Acreditamos que nenhuma resolução deve retroceder conquistas históricas ou desconsiderar o conhecimento produzido pela comunidade científica e pela vivência de pessoas trans.
Leia, a seguir, a nota e baixe o documento.
No dia 16 de abril de 2025, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a resolução nº 2.427/2025, que atualiza as normas para o atendimento de pessoas trans. Havia uma expectativa consolidada de ampliação e atualização da Resolução CFM nº 2.265/2019, em vista do avanço em centenas de publicações científicas na experiência de múltiplas regiões e culturas ao redor do mundo e a solidificação de protocolos de tratamento e diferentes locais de atendimento de saúde. No entanto, esse avanço não foi observado na atual resolução.
Entre outras questões, o documento aumenta a idade mínima para início da hormonização cruzada e para as cirurgias que resultem em infertilidade, obriga o acompanhamento médico de um ano para que a hormonização possa ser iniciada, assim como impede o bloqueio puberal às crianças e adolescentes trans. Percebe-se que o texto não expandiu o atendimento de pessoas trans para outras especialidades médicas além de endocrinologia, ginecologia e urologia. O documento também não considerou a qualificação de outras categorias profissionais para realizar o acompanhamento de pessoas trans, como psicologia, enfermagem, serviço social, nutrição e tantas outras disciplinas.
Na ausência do apoio profissional às transformações corporais que são desejadas, percebe-se aumento da busca de pessoas trans por estratégias nocivas, como o uso de hormônios inseguros e acessados de forma clandestina, o aumento de risco de doenças circulatórias e cardíacas pelo uso inadequado de hormônios e a aplicação de silicone industrial com riscos de infecções, disfuncionalidades e morte. Além disso, a falta de acesso a transformações corporais gera aumento de casos de depressão, ansiedade e outras condições de saúde mental, com aumento do risco de suicídio. Essa situação causa maior vulnerabilização dessa população para diversas outras questões de saúde, como infecções sexualmente transmissíveis, abuso de substâncias psicoativas e violências, resultando em aumento da mortalidade.
Nesse momento de maior incerteza e vulnerabilidade, inclusive considerando o impacto à saúde mental de crianças e adolescentes trans, é importante que profissionais possam seguir ofertando acolhimento e cuidado em saúde de forma ampliada. Salienta-se também que, segundo a própria resolução, profissionais de saúde não devem interromper atendimentos que já foram iniciados. Portanto crianças e adolescentes trans que estão recebendo bloqueio puberal ou adolescentes que estão recebendo hormonização cruzada não devem ter seu cuidado hormonal interrompido com base nesta publicação.
A resolução não constitui impedimento para o acolhimento e o atendimento integral de pessoas trans em nenhuma circunstância. Deste modo, reafirma-se que o cuidado em saúde é uma responsabilidade ética inalienável de profissionais da área, independentemente de argumentos pessoais, religiosos ou ideológicos. Reafirma-se ainda que pessoas em acompanhamento, suas famílias e redes de apoio também possuem legitimidade e protagonismo na defesa da continuidade do cuidado, podendo e devendo se posicionar para garantir o direito à saúde e à dignidade.
As organizações e grupos abaixo assinados expressam sua preocupação com o conteúdo da resolução, por limitar o acesso a cuidados fundamentais à saúde de pessoas trans e o impacto futuro nas suas existências. Compreende-se que a resolução, ao invés de ampliar atuações e criar espaços para o desenvolvimento das atuais práticas consolidadas, criou novas barreiras ao cuidado e fragiliza processos e profissionais. Além disso, contribui para desfechos indesejáveis, como o aumento da vulnerabilidade em múltiplas esferas, o agravamento da exclusão e do sofrimento de pessoas trans e suas famílias, bem como a descredibilização de equipes multiprofissionais e instituições de saúde que atuam de forma ética, técnica e responsável, baseadas em evidências e em protocolos reconhecidos nacionalmente e internacionalmente.
Por isso, decisões que afetam vidas humanas deveriam ser tomadas em discussões sociais ampliadas, com base em evidências e na melhor literatura científica disponível, de forma ética, transparente e compromissada com as pessoas e seus familiares que estão buscando apenas um acesso regular à saúde. A preservação da vida não deve se limitar a uma resolução, principalmente se não forem consideradas realidades territoriais distintas.
Brasil, 17 de abril de 2025.
Assinam esta nota as seguintes entidades:
ABA – Associação Brasileira de Antropologia
ABEFACO – Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade
ABENFISIO – Associação Brasileira de Ensino em Fisioterapia
ABETH – Associação Brasileira de Estudos da Trans-Homocultura
ABMMD – Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia
ABPBE – Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências
ABPP – Associação Brasileira de Psicologia Política
ABRAFH – Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas
ABRAI – Associação Brasileira de Intersexos
ABRANB – Articulação Brasileira Não-Binárie
ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
ABRASITTI – Associação Brasileira Profissional para a Saúde Integral de Pessoas Travestis, Transexuais e Intersexo
ACUENDAÇÕES – Grupo de Estudos e Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Relações Étnico-raciais – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
Afetad@s: Sexualidades, Cuidado e Políticas públicas (UFU)
AFRODITE/UFSC – Laboratório Interdisciplinar de ensino, pesquisae extensão em sexualidades
Aliança Nacional LGBTI
Ambulatório de Gênero e Sexualidades – HC Unicamp/SP
Ambulatório LGBT+ de São Leopoldo/RS
Ambulatório Transcender – Campinas/SP
AMOSERTRANS – Associação e Movimento Sergipano de Transexuais e Travestis
ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
ANPEPP – Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa emCiências Sociais
ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais
APOLGBT-SP – Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo
APTA – Associação de Profissionais Trans do Audiovisual
APTF – Associação Paulista de Terapia Familiar
Ariadnes – Observatório de mídia, gênero e sexualidade (UFOP)
Associação Mães Pela Liberdade (MG)
Blogs de Ciências da Unicamp (SP)
Caleidoscópio (UFOP)
Casinha (RJ)
CAV/UFPA – Clínica de Atenção à Violência
CDH/CFP – Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
Centro Comunitário LGBTI+ Rio (RJ)
CEPCoS – Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e Sexualidade
CeR-LGBTQI+/UFJF – Centro de Referência e Promoção da Cidadania LGBTQI+ da Universidade Federal de Juiz deFora
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CLAM/ IMS/ UERJ – Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos
Close – Centro de Referência da História LGBTQIAP+ do RS
Coletiva Cintura Fina – Universidade Federal de Minas Gerais
Coletive de pesquisa em Antropologia, Arte e Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP
Coletive Rebento
Coletivo Abrace
Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde
Coletivo Força Trans de Juiz de Fora (MG)
Coletivo GT Trans Tynna Medsan (UFJF)
Coletivo Núcleo de Resistência (SP)
Coletivo Rosa Parks (UFG)
Coletivo VOE de diversidade sexual e de gênero de Santa Maria (RS)
Comitê de Assistentes Sociais no Combate às LGBTQIAPNfobias do CRESS-SC
Comitê Gênero e Sexualidade da Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
COMUNICA – Voz, Expressão e Diversidade (UFRGS)
Corpas Trans e Travestis da USP
CRDH UFRGS – Centro de Referência em Direitos Humanos da UFRGS
CRESS-SC – Conselho Regional de Serviço Social
CRESS-SP – Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo 9ª Região
CRP-SP Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
CSA U – Várzea do Capibaribe (PE)
DEGENERA – Núcleo de Pesquisa e Desconstrução de Gêneros (UERJ)
Diadorim – Núcleo de estudos de gênero, contracolonialidades e pedagogias insurgentes (UNESC)
Diversa – Arte Cultura – DAC
Diverso UFMG – Núcleo Jurídico de Diversidade Sexual e de Gênero
ENCONTRANS
EPA – Ética, Poder e Abjeção (UFBA)
Espaço Transcender USP
EsTreMa – UFMA – Grupo de Estudos em Tradição e Memória
Famílias e Resistência
Frente Bissexual Brasileira
Frente Trans Floripa
GADVS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
GEDIS – Grupo de Estudos e Pesquisas em Sexualidade, Gênero, Diversidade e Saúde: Políticas e Direitos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-CNPq)
GEERGE – Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da UFRGS
GEL – Grupo de Estudos em Lesbianidades da UFMG
GENSEG – Grupo de Pesquisa Gêneros, Sexualidades, Educações e Gerações (UEPA)
GESE – Grupo de pesquisa Sexualidade e Escola (FURG)
GPECS – Grupo de Pesquisa Corpo, Gênero e Sexualidade (UFU)
Grupo Arco-Iris (RJ)
Grupo de Estudos e Pesquisa Gênero e Educação (UFPA)
Grupo de Pesquisa “Gênero, sexualidades, socialidades e subjetivações” da FaE/UFMG
Grupo de pesquisa “Mapeamento da População Trans” (UNIFESP/CRT SP)
Grupo de Pesquisa Cóccix/USP – Estudos Indisciplinares do Corpo e do Território (USP)
Grupo de Pesquisa em Cultura, Educação e Divulgação Científicas – CEDiCiências (Unicamp)
Grupo de Pesquisa em Educação em Ciências – PEmCie (Furg e Unicamp)
Grupo de Pesquisa em Estudos Culturais e Arte/Educação (UEPB)
Grupo de Pesquisa em Sexualidade, Cultura e Entretenimento (UFSCar)
Grupo de pesquisa Saúde Reprodutiva, Gênero e Sociedade (FSP/USP)
Grupo de Trabalho sobre Ensino de Sexualidade na Graduação da Faculdade de Medicina da USP
Grupo Dignidade
Grupo INDDHU – Infâncias, Diferenças e Direitos Humanos (Unicamp)
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Saúde, Ambiente e Trabalho (UFRGS)
GT 23 – Gênero, Sexualidade e Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)
GT de Saúde LGBTI+ (Associação Brasileira de Saúde Coletiva)
GTP Serviço Social, Feminismos, Relações Étnico-Raciais, de Gênero, Sexualidades e Classe Social da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS)
HTA – Homens Trans em Ação (RS)
IBRAT – Instituto Brasileiro de Transmasculinidades
IEG/UFSC – Instituto de Estudos de Gênero INAMUR – Instituto Nacional de Mulheres Redesignadas
INTERCENA – Interseccionalidades em Cena: Grupo de pesquisa sobre marcadores de Raça, Gênero e Sexualidades nasimagens e nos sons (UFPE/PPGCOM/CNPq)
Intersexo Brasil
Juntes Coletiva
Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência (UFES)
Laboratório de Pesquisas sobre Interseccionalidades e Saúde da UFRN
LabQueer – Laboratório de estudos das relações de gênero, masculinidade e transgêneros (UFRRJ)
LEGH/UFSC – Laboratório de Estudos de Gênero e História
LGBT+Movimento (RJ)
LIEG – Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero – Vinculado ao Grupo de Pesquisa Cultura e Gênero do CNPq – UNESP- Marília/SP
Liga Universitária de Saúde de Populações Negligenciadas Maria Aragão (Universidade Federal de Viçosa)
Mães da Resistência
Mães pela Diversidade
MentalTrans (UFSC/CNPq)
Minha Criança Trans
Modos de subjetivação, políticas públicas e contextos de vulnerabilidade (CNPq/UFRN)
Movimento Independente de Homens Trans de Pernambuco
NACi – Núcleo de Antropologia e Cidadania – Programa de Pós graduação em Antropologia (UFRGS)
NCT – Núcleo de Consciência Trans da Unicamp
Neepec UFMG – Núcleo de Estudos em Estéticas do Performático eExperiência Comunicacional
NEIVA/UFPa – Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Violência na Amazônia
NEOS/UFMG – Núcleo de Estudos Organizacionais e Sociedade da Universidade Federal de Minas Gerais
NEPAIDS-USP – Núcleo de Estudos para a Prevenção da AIDS da USP
NEPEM/UFMG – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher
NOSMULHERES – Pela equidade de gênero étnicorracial (UFPA)
Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR
Núcleo de Estudos de Gênero Pagu da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Antropologia da Saúde (UFRN)
Núcleo de Estudos em Gênero, Sexualidade e Raça do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ)
Núcleo de pesquisa Margens – Modos de vida, família e relações degênero (PPGP/UFSC)
Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero (Universidade Federade Viçosa)
Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Diversidade Sexual, Gênero e Direitos Humanos Tirésias (UFRN)
Núcleo TransUnifesp
NUDEIN/UFF Núcleo de Estudos Interseccionais da UFF
NUDHES – Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Saúde da População LGBT+
NUDISEX – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Diversidade Sexual (UEM)
Nuh/UFMG – Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT
NUMAS – Núcleo de Estudos dos Marcadores Sociais da Diferença da USP
NUPSEX – Núcleo de Estudo em Sexualidade e Relações de Gênero da UFRGS
Observatório Gênero, Diversidade e Práticas Políticas da UFRN
Preparatório Transviades para Ingresso de Pessoas Trans na Pós-graduação
Projeto Faladeiras (UFSC)
PROSA (UFAL)
Psicuqueer – Grupo de pesquisa Psicologia, Coletivos e Culturas Queer (UNESP)
PUGNA – Etnografia, Poder e Socialidades (UFPA)
REBIM – Rede Brasileira de Estudos sobre Bissexualidade e Monodissidência
REDCAHT+ (Red de Colectivos Americanos de Hombres Trans y Personas disidentes del genero feminino asignado al nascer)
Rede CV Trans – Extensão e Pesquisa (USP)
Rede ELU – Rede Discente de Enfrentamento, Letramento e Unidade Trans (UFRGS)
Rede Femininsta de Ginecologia e Obstetrícia
Rede Gaylatino
Rede MILBi + – Rede apoio a migrantes internacionais LGBTQI +
Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares
REDE TRANS UERJ – Rede de Estudantes Trans e Travestis Organizades da UERJ
RESSEGE – Rede Serviço Social, Sexualidade e Diversidade de Gênero (ESS/UFRJ)
Revista Estudos Transviades
Saúde de Adolescentes/Faculdade Medicina do Centro Universitário Maurício de Nassau, UniNassau (Recife/PE)
Saúde Mental e Sociedade (UFSCar)
SBENBIO – Associação Brasileira de Ensino de Biologia
SBMFC – Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
SBRASH – Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana
SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade (RS)
Sport Club T Mosqueteiros (SP)
Tear – Grupo de Estudos de relações de gênero, raça e memória (USP)
TransBucal Brasil
TransENEM (RS)
TRANSformando Terras e Vidas – Agroecologia Para Renda e Segurança Alimentar (Recife/PE)
TRANSpologias – Grupo de estudos em travestilidades, transexualidades e Não Binariedades da Unicamp/SP
Transresistencias (FSS/UERJ)
TRAPPUS/PUC-Rio – Núcleo de Estudos e Pesquisas Trabalho, Políticas Públicas e Serviço Social
WAS – World Association for Sexual Health (Associação Mundial para a Saúde Sexual