‘Capitão América: Admirável Mundo Novo’, um filme de ação que funciona, mas perde a oportunidade de ser memorável

Por Hyader Epaminondas

Como uma sequência direta de “O Incrível Hulk” (2008), em vez de seguir os eventos apresentados na série do Disney+, “Falcão e o Soldado Invernal”, a nova sequência do Vingador surpreende até os mais céticos, trazendo uma abordagem eficaz que resgata elementos essenciais do passado enquanto tenta se reinventar para o público atual.

“Capitão América: Admirável Mundo Novo” chega às telonas durante um momento crucial da história americana: o segundo mandato de Donald Trump, marcado por tensões sociais e uma divisão sem precedentes. Este pano de fundo deveria ser o terreno perfeito para uma narrativa que colocasse o Sam Wilson de Anthony Mackie como um símbolo de resiliência, não apenas contra supervilões, mas contra a própria estrutura social que frequentemente questiona seu lugar como Capitão América. Ao invés disso, diferente de sua contraparte nos quadrinhos, temos o Capitão mais escoteiro de todos os tempos.

Nos quadrinhos, Sam Wilson foi criado por Stan Lee e Gene Colan em 1969, na revista “Captain America #117”, como o Falcão. Ele assumiu oficialmente o manto do Capitão América durante o segundo mandato de Barack Obama, em 2014. Isso aconteceu oficialmente na revista “Captain America #25” e teve continuidade em “All-New Captain America”, ambas escritas por Rick Remender, e seguiu em “Captain America: Sam Wilson”, escrita por Nick Spencer. Atualmente, nos quadrinhos, ele segue atuando na equipe principal dos Vingadores, com roteiros de Jed Mackay.

A direção de Julius Onah é uma roleta russa: às vezes funciona e entrega todo o impacto necessário, mas em outras falha em construir a imersão desejada. Ela é constantemente salva por um elenco que carrega sua visão nas costas com um carisma genuíno (com algumas exceções), equilibrando momentos dramáticos com comédia na medida certa, numa produção de ação que funciona de forma sólida. Desde o início, a campanha de divulgação apresentou uma versão repleta de erros de finalização, como a grotesca cena de pouso com tornozelo quebrado. Diferente da versão final, o filme traz cenas bem executadas e livres desses problemas. Embora demonstre um potencial notável nos temas que aborda, falha em explorá-los plenamente.

O roteiro hesita em destacar o que realmente diferencia Sam de seus antecessores: sua luta constante como homem negro em uma posição de liderança icônica. Além disso, coloca a figura de Isaiah Bradley, o Capitão América negro esquecido, de escanteio, desperdiçando por completo a atuação de Carl Lumbly com um arco genérico de prisão. Embora essa tensão seja mencionada em diálogos, ela jamais encontra eco em ações significativas do personagem, que permanece preso a uma subordinação ao Presidente Ross, vivido por Harrison Ford, privando-o de uma afirmação mais emancipadora e, infelizmente, colocando-o sob a bandeira americana, em vez de um agente global.

Exaltação e realismo forçado

Um dos maiores problemas do filme está na necessidade quase obsessiva de reforçar visualmente que Sam não possui o Super-Soro. Cada cena de ação parece dobrar a aposta em mostrar suas dificuldades físicas, como se fosse necessário convencer o público de que ele merece seu lugar. Isso se torna ainda mais evidente quando comparamos com outros personagens brancos em situações semelhantes. O John Wick de Keanu Reeves pode derrotar um exército inteiro com apenas um lápis, sem que precisemos questionar a plausibilidade disso.

Da mesma forma, o Gavião Arqueiro, vivido por Jeremy Renner, enfrenta invasões alienígenas usando apenas a precisão de um arco e flecha. Tom Cruise, por sua vez, encara missões impossíveis e sobre-humanas em sua franquia sem que sua competência seja colocada em dúvida. No entanto, quando Sam enfrenta um inimigo superpoderoso, o filme faz questão de sublinhar constantemente sua humanidade, como se fosse necessário reafirmar sua “normalidade”.

Esse contraste reforça um estigma velado sobre protagonistas negros: eles precisam ser extraordinários, mas também completamente humanos para serem aceitos. Isso, infelizmente, enfraquece a narrativa heroica que o filme poderia ter explorado de forma mais contundente. Paradoxalmente, o longa brilha mais quando coloca Sam em situações heróicas que abraçam o exagero característico do gênero, como na cena em que ele surfa em um míssil ou corta as nuvens com suas asas de Vibranium, especialmente durante os momentos aéreos na ilha celestial. Esses momentos são ainda mais eficazes ao destacar as diferenças técnicas entre Sam e o novato Joaquin Torres, interpretado com carisma por Danny Ramirez, o novo Falcão.

Desempenho de Anthony Mackie

Anthony Mackie entrega um Capitão América profundamente carismático e acessível, com os pés firmemente plantados na realidade. Ele se consolida como um sucessor digno de Steve Rogers, mantendo uma postura inabalável mesmo diante da monstruosidade de um Hulk.

Ele traz uma energia humana e determinada que funciona muito bem, à altura de contracenar com Harrison Ford. Mackie não apenas sustenta sua presença ao lado de Ford, mas também equilibra a dinâmica em cena com naturalidade, mostrando que está pronto para carregar o escudo e o peso simbólico do personagem, com uma consciência quase palpável de seu impacto no imaginário coletivo. Sua atuação transborda vitalidade e vai além do tokenismo cultural, tornando-se uma promessa de que sonhos podem ser materializados.

Se sua performance também impulsionar a venda de produtos licenciados e expandir a visão das crianças sobre heróis negros, Mackie alcança algo ainda mais poderoso: inspirar uma nova geração a enxergar possibilidades infinitas para si mesmas. Brinquedos passam, então, a ser mais do que produtos; tornam-se representações físicas de empoderamento, materializando o desejo de ver, sentir e, principalmente, ser parte de algo maior – uma forma de transformação social através do cinema.

Um filme de ação seguro, mas eficiente

Como filme de ação, “Capitão América: Admirável Mundo Novo” funciona melhor quando aceita ser apenas isso: cenas de luta, efeitos visuais com seus altos e baixos e momentos de tensão que prendem a atenção. No entanto, tropeça ao investir em tramas secundárias desnecessárias, que desviam o foco da mensagem central. A ausência de uma história bem construída, que realmente aproveitasse o contexto político e racial ao qual Sam está inserido, faz com que o filme perca a oportunidade de ser algo maior.

“Capitão América: Admirável Mundo Novo” escolhe seguir por uma abordagem segura dentro do gênero, evitando grandes riscos, mas, surpreendentemente, encontra seu brilho na força de Anthony Mackie.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine Ninja. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine Ninja ou Mídia NINJA.

Por Midia Ninja

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