
Por Marcelo Caldeira Pedroso, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP
No ecossistema do empreendedorismo inovador, a regra “falhe rapidamente, falhe frequentemente” (fail fast, fail often) tem sido considerada um mantra – não oficial – associado ao Vale do Silício. Nesse contexto, apresento uma situação emblemática ocorrida nessa região.
Em 1º de abril de 1976, Steve Jobs, Steve Wozniak e Ronald Wayne fundaram a Apple, visando comercializar computadores pessoais – uma proeminente inovação para a época. Após pouco tempo, Ronald Wayne, o terceiro cofundador da Apple e que detinha uma fatia de 10% de participação acionária, vendeu sua parte por US$ 800. Atualmente, a Apple apresenta um valor de mercado da ordem de US$ 3 trilhões – ou aproximadamente R$ 17 trilhões. Certamente Wayne deixou de ganhar muitos milhões de dólares com sua decisão. Nesse sentido, esta pode ser considerada uma falha ou um fracasso? Voltarei a seguir com a resposta do Wayne.
Esse mote suscita algumas reflexões: o que efetivamente significa falhar? Falhar e fracassar são sinônimos no contexto do empreendedorismo? E como avaliar o sucesso – ou o fracasso – de uma iniciativa empreendedora?
A falha e o fracasso apresentam diferentes conotações no contexto do empreendedorismo inovador. Adotando uma definição conceitual, considero falha quando uma etapa de uma jornada (ou uma parte de um sistema) não atinge o desempenho previsto. Essa definição parte da premissa de que existe uma previsibilidade em relação ao desempenho esperado.
Também de forma conceitual, considero fracasso quando uma iniciativa (ou um sistema na totalidade) não atinge o resultado esperado. Neste caso, devemos considerar que o resultado reflete uma expectativa.
Vamos exemplificar esses conceitos no contexto de uma viagem de avião. Sabe-se que acontecem várias falhas durante os voos. Por exemplo, um estudo identificou que erros de nível 3 (o mais perigoso para a segurança de uma aeronave) podem ocorrer entre 6,5 a 9,5 vezes a cada 100 horas de voo. As falhas de um avião podem ser mensuradas e comparadas com o desempenho esperado. Ressalto que uma aeronave possui sistemas redundantes para evitar que as falhas causem uma tragédia. Assim, a expectativa é que o avião chegue ao seu destino com segurança. Se o voo não atingir esse resultado, caracteriza-se um fracasso.
Em síntese, a falha está associada a uma etapa ou atividade (ou parte de um sistema) que não obtém o desempenho previsto. O fracasso implica em definir um objetivo e não atingir o resultado esperado. Desta forma, podemos definir um objetivo, falhar algumas vezes nas etapas de execução e obter êxito no final. Portanto, é possível falhar (algumas ou até mesmo várias vezes) e ainda assim alcançar o sucesso.
As falhas no contexto do empreendedorismo estão associadas às incertezas inerentes à inovação. De forma geral, quanto mais inovadores forem o modelo de negócio e/ou a solução, maiores são as incertezas. Nesse sentido, as etapas de uma jornada inovadora apresentam um desempenho com menor previsibilidade comparativamente a outras jornadas com menores graus de mudança.
Isso permite que o empreendedor possa falhar. Em outras palavras, a falha faz parte da jornada do empreendedorismo inovador. Essa jornada pode ser tratada como um processo de experimentação no qual o ciclo “testar-avaliar-validar” ou “executar-falhar-corrigir-refazer” deve ser realizado com relativa rapidez. Por isso temos o mantra: “falhe rapidamente, falhe frequentemente” (fail fast, fail often).
As etapas de “corrigir-refazer” desse ciclo remetem aos ajustes necessários para atingir os objetivos finais dos empreendedores. Isso significa pivotar: ou seja, adotar uma reorientação estratégica com o intuito de ajustar as decisões da jornada empreendedora e atingir os objetivos dos empreendedores.
O fracasso de uma iniciativa empreendedora implica em não ter êxito. De forma mais direta, o fracasso empreendedor pode ser definido como o encerramento de um empreendimento, ou saída do negócio, no qual os empreendedores não atingiram seus objetivos.
Um elemento relevante desta definição remete à definição dos objetivos. Estes são pessoais e dependem de várias dimensões, incluindo o momento de vida do empreendedor. Nesse sentido, o objetivo e seus resultados estão atrelados às expectativas dos empreendedores.
Assim, a avaliação de sucesso ou fracasso de uma iniciativa empreendedora depende da perspectiva do empreendedor. Voltando ao caso da fundação da Apple: podemos considerar que Ronald Wayne fracassou? Vejam sua resposta: “Eu tinha 40 anos (na época) e esses garotos tinham 20. Eles eram furacões, era como segurar um tigre pela cauda. Se eu tivesse ficado na Apple, teria provavelmente acabado sendo o homem mais rico do cemitério”.
Destaco ainda que o fracasso não necessariamente significa fim. Ao contrário, pode ser encarado como um meio para se atingir objetivos ainda mais auspiciosos. Nas minhas mentorias ou aulas com empreendedores, costumo citar um pensamento de autoria desconhecida: “Não tenha medo de começar de novo. Desta vez, você não está começando do zero, está partindo da experiência”.
Com base nas discussões acima, apresento quatro lições aos empreendedores:
1 — Considere o empreendedorismo inovador como um processo de aprendizado. Adote uma postura de “mente aberta” com o intuito de aprender com as falhas e aproveitar de forma construtiva as devolutivas dos conselheiros, mentores, avaliadores de projetos e pitches.
2 — A forma com que o empreendedor encara as falhas e os fracassos está intimamente relacionada à sua tolerância às frustrações. Sugiro buscar inspiração na abordagem montessoriana no sentido de transformar momentos de frustração em oportunidades de aprendizagem, desenvolvimento e crescimento emocional.
3 — Encontre um ambiente de inovação seguro. Este deveria proporcionar uma jornada empreendedora contributiva e aportar elementos complementares de apoio, tais como infraestrutura, capital intelectual, conexões com universidades, empresas, investidores e agências de fomento.
4 — Considere a adoção de um processo estruturado de empreendedorismo inovador. Este deveria apoiar o processo de tomada de decisões do empreendedor na busca de redução de incertezas ao longo da sua jornada e na obtenção de resultados consistentes para todos os envolvidos.
Essas quatro lições (além de outras não abordadas neste artigo) fazem parte das contribuições científicas para converter a jornada empreendedora de arte para ciência.
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