
A transição energética global tem sido moldada por compromissos internacionais de descarbonização e eficiência energética. A Europa, na vanguarda dessa transformação, tem reforçado regulamentações que impactam parceiros comerciais, pressionando empresas do mundo todo a se adequarem a padrões mais exigentes de sustentabilidade. No setor de energia, essa exigência se traduz no financiamento de projetos renováveis, na rastreabilidade de insumos e na responsabilidade ambiental de toda a cadeia produtiva.
Nesse contexto de crescente adoção de políticas ambientais, sociais e de governança (ESG – Environmental, Social and Governance) na União Europeia deve ditar novos rumos para o comércio global. No setor de energia, essa transformação se reflete na imposição de normas mais rigorosas para importação de produtos e investimentos, afetando diretamente empresas brasileiras. A recente legislação europeia contra o desmatamento, que exige comprovação da origem sustentável de commodities como soja, carne bovina e madeira, sinaliza um endurecimento dos critérios ambientais que também alcançam a geração e o fornecimento de energia.
Ainda, as exigências sugerem que as práticas de ESG na Europa, no contexto da Transição Energética, podem impactar positivamente o retorno dos investidores e a inclusão de riscos ESG nos modelos de negócios, mas também destacam a necessidade de considerar emissões de mudança de uso da terra e a importância de uma transição energética suave para evitar impactos econômicos negativos. O setor de energia está se transformando à medida que novas regulamentações são estabelecidas para levar em conta os fatores ambientais e sociais, bem como iniciativas de governança corporativa (ESG) que podem ser integradas dentro das organizações.
Impactos diretos no setor de energia
Os impactos das práticas de ESG no setor de energia são multifacetados, influenciando desde a sustentabilidade corporativa até o desempenho financeiro e a estabilidade de preços das ações. O ESG impacta de maneira robusta o setor de energia e influencia tanto o desempenho financeiro quanto a estabilidade de mercado, e empresas que adotam práticas ESG robustas, que estabelecem políticas de ESG, tendem a melhorar a eficiência operacional e consequentemente a sustentabilidade. A integração de ESG é crucial para alinhar objetivos de práticas sustentáveis e garantir o sucesso a longo prazo no setor de energia.
Empresas de geração de energia no Brasil, especialmente aquelas ligadas à
bioenergia e fontes renováveis, enfrentam desafios para atender às novas exigências europeias. O financiamento de projetos energéticos passa a depender, cada vez mais, do cumprimento de critérios ESG. Fundos de investimento internacionais exigem garantias de sustentabilidade, limitando o acesso a crédito para empreendimentos que não demonstrem responsabilidade ambiental e governança transparente.
Além disso, há uma crescente demanda por certificações que atestem a origem sustentável da produção energética. No caso dos biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, a rastreabilidade se torna um fator determinante para a competitividade no mercado europeu. O mesmo ocorre com empresas de geração solar e eólica, que precisam demonstrar a baixa pegada de carbono de sua cadeia de suprimentos, desde a produção de painéis solares até a instalação de aerogeradores.
Desafios e oportunidades para empresas brasileiras
A necessidade de adequação às novas regras ESG da União Europeia pode ser vista como um desafio, mas também como uma oportunidade estratégica para empresas brasileiras. Aquelas que conseguirem implementar práticas sustentáveis de forma eficaz estarão em vantagem competitiva no mercado internacional. O fortalecimento de políticas ambientais e sociais pode atrair investimentos estrangeiros, consolidando o Brasil como um polo de energias renováveis.
Outros fatores importantes e fundamentais para o setor, que são desafios e ao mesmo tempo são oportunidades, é alinhar as práticas de ESG com desempenho de mercado e consequentemente financeiro, transformação digital e sustentabilidade e atender às pressões e adaptações que os mercados exigem. Tudo isso passa por melhorias dos processos e incorporação de tecnologias da Indústria 4.0. Por exemplo, o setor de petróleo e gás, em particular, enfrenta pressão crescente para adotar práticas ESG e adotar ações de transição para fontes de energia renováveis, e junta-se a isso a crescente conscientização dos consumidores sobre questões ambientais.
O Brasil possui um potencial energético diversificado que deve contribuir nas novas soluções de biocombustíveis avançados, como o Sustainable Aviation Fuel (SAF) e o etanol de segunda geração (E2G), ambos mais sustentáveis e com menor impacto ambiental. O E2G, por exemplo, utiliza resíduos da produção agrícola para gerar combustível, reduzindo emissões e aumentando a eficiência da cadeia produtiva. Entretanto, a adoção dessas tecnologias ainda enfrenta barreiras, como altos custos de produção e a necessidade de maior incentivo governamental para expandir sua competitividade global.
A crítica principal, contudo, permanece: enquanto as empresas brasileiras correm para atender às novas exigências ambientais, a União Europeia mantém práticas protecionistas que podem prejudicar produtores nacionais, especialmente pequenos e médios. Além disso, a falta de um diálogo equilibrado entre os países exportadores e a UE pode tornar a transição injusta, beneficiando economias que já possuem infraestrutura consolidada para atender aos requisitos, as práticas que o ESG preconiza.
Além dos desafios regulatórios, as empresas brasileiras do setor de energia precisam investir em governança corporativa sólida e em mecanismos de transparência para atender às expectativas internacionais. A divulgação de relatórios ESG auditáveis, alinhados a padrões como o GRI (Global Reporting Initiative) e os princípios do TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures), torna-se cada vez mais exigida por investidores e parceiros comerciais. A adoção desses padrões não apenas mitiga riscos reputacionais e legais, mas também melhora a percepção de valor no mercado, fortalecendo a confiança dos stakeholders.
Nesse contexto, é essencial que o setor energético brasileiro fortaleça seus mecanismos de cooperação intersetorial e crie estratégias de compliance ambiental de forma coordenada. Parcerias público-privadas, articulações com universidades e centros de pesquisa, além de coalizões empresariais, podem acelerar o desenvolvimento de soluções tecnológicas e de certificação. Essa articulação é especialmente importante para pequenos produtores e cooperativas que, isoladamente, podem não ter os recursos necessários para cumprir com as exigências europeias de forma competitiva.
Outro ponto relevante é a necessidade de adaptação às diretrizes de taxonomia sustentável da União Europeia, que classifica atividades econômicas conforme seu grau de sustentabilidade ambiental. Essa taxonomia, que orienta investimentos verdes, já influencia decisões financeiras e pode excluir do mercado internacional empresas que não se enquadrarem em suas categorias. Assim, o Brasil precisa investir em mecanismos de conformidade técnica e política externa ativa para garantir que suas especificidades, como o uso de biocombustíveis e a matriz elétrica majoritariamente renovável, sejam reconhecidas como práticas sustentáveis no cenário global.
Por fim, é imprescindível que as empresas brasileiras avancem na medição e compensação de emissões de gases de efeito estufa em toda a cadeia de valor. O uso de tecnologias de monitoramento por satélite, blockchain para rastreabilidade e plataformas digitais de gestão ambiental pode tornar esse processo mais acessível e confiável. Isso permitirá não apenas o cumprimento das exigências regulatórias, mas também a valorização das empresas brasileiras como protagonistas de uma transição energética justa, inovadora e inclusiva no cenário internacional.
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