
Docentes da rede municipal de ensino de São Paulo testaram jogos desenvolvidos por estudantes em disciplina da Licenciatura em Educomunicação

Em uma aula sobre justiça climática oferecida durante um curso promovido pelo Núcleo de Comunicação e Educação (NCE) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, professoras e professores de 35 escolas da rede pública municipal de São Paulo testaram materiais paradidáticos produzidos por estudantes da USP. Um desses materiais era um jogo de cartas batizado como Perguntado Socioambiental.
“Esse é um jogo bem tranquilo, são 30 cartas que apresentam uma situação com quatro possibilidades de resposta e são baseadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). É interessante que cada cartinha daria um trabalho independente pra fazer na escola também”, compartilha Heulieda Cristovão de Macedo, professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Ruy Barbosa, localizada na Vila Guilherme, Zona Norte de São Paulo.
Heulieda foi uma das participantes do curso de extensão Educomunicação socioambiental: precisamos conversar sobre emergência climática nas escolas, um braço do projeto de pesquisa Educom & Clima, iniciativa do NCE. O jogo que ela testou foi um dos resultados da disciplina optativa Educomunicação Socioambiental, que integra a grade curricular da Licenciatura em Educomunicação. A disciplina incentivou estudantes a criarem materiais em formato digital e multimídia (sonoro, visual e/ou audiovisual) que discutissem o enfrentamento ao racismo ambiental.
A partir disso, a turma se dispôs a utilizar os aprendizados e experiências em aula, além de sua própria bagagem, para criação de jogos, cartilhas, fanzines e podcasts. Muito dessa diversidade é reflexo da própria sala de aula. Em 2024, a turma da disciplina era composta por estudantes de 13 cursos diferentes. Ainda que a maioria fosse da Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da USP, havia estudantes de Relações Públicas, Educomunicação, Gestão Ambiental, Engenharia de Materiais, Saúde Pública, Jornalismo, Artes Cênicas, Pedagogia, Audiovisual, Geociências, Ciências Sociais e Turismo.
“A gente ficou bem entretido, entendemos a lógica de jogo e conseguimos jogar. O jogo tem um ganhador, mas é colaborativo ao mesmo tempo. A lógica é que cada um aqui é de uma comunidade com problemas para serem resolvidos. E a gente tem que achar os problemas e as soluções, mas a solução do meu problema tá com a outra pessoa, então, temos que colaborar”, conta Marcelo Augusto Pereira dos Santos, professor da Emef Dilermando Dias dos Santos, na VIla Leopoldina, Zona Oeste da capital paulista. Ele testou o jogo Salve-se Quem Conseguir.
Materiais serão disponibilizados em plataforma EaD
Por se tratar de uma experiência inicial dos estudantes de graduação com a criação de materiais para o ensino básico, os professores e professoras sugeriram algumas adaptações aos materiais. “Tem algumas palavras que precisariam de um glossário, mas dá pra trabalhar com as crianças. Apesar de ter algumas coisas que eles ainda não têm acesso, acho que vale a pena levantar as discussões. Pode ser até conteúdo pra mais de um dia de aula”, comenta Aurilene Matias Luz, professora da Emef Eliane Benute Lessa Ayres Goncalves – Profa. Nany Benute, no Jaraguá, Zona Norte.
Os docentes também apontaram ambiguidades na jogabilidade de alguns materiais, mas que poderiam ser contornadas e até mesmo utilizadas como outra ferramenta de ensino. “Tem frases que geram dúvida, o que é verdadeiro ou falso, e aí levanta o debate. Nós optamos por mostrar as cartas, porque aí se discute: Por que você acha que isso é bom ou ruim? Entra como uma discussão coletiva”, conta Aurilene.
Ofertada no segundo semestre como matéria optativa para alunos de graduação de todos os cursos da USP, a disciplina em questão busca contribuir para a criação de uma sociedade da informação para combater o aumento das desigualdades, a desregulamentação e o negacionismo climático. Como abordagem metodológica, ela prevê a realização de viagens didáticas, aulas de campo e visitas técnicas, a fim de conhecer in loco políticas públicas concretas e suas interfaces existentes ou potenciais com a educomunicação.
“Em 2024 foi a segunda vez em que lecionei Educomunicação Socioambiental. Na primeira, em 2023, a turma construiu materiais paradidáticos sobre a Agenda Municipal 2030 de São Paulo, que foram para um curso EaD do Instituto Akatu em parceria com a Umapaz. Deu tão certo que, em 2024, resolvi atualizar a experiência”, conta Thaís Brianezi, docente responsável pela disciplina.
A produção de materiais paradidáticos de enfrentamento ao racismo ambiental elaborada pelos estudantes de graduação em 2024 não apenas fez parte da turma experimental do curso Educomunicação socioambiental: precisamos conversar sobre emergência climática nas escolas, como também integrará sua versão EaD. O curso EaD será disponibilizado gratuitamente no Ambiente Virtual de Aprendizagem do MEC (Avamec) para qualquer escola interessada.
O que é racismo ambiental?É o reconhecimento da questão racial no contexto de crise climática. Trata-se de entender quem são as pessoas que moram em territórios de risco, que são mais impactados por desastres ambientais, como enchentes, deslizamentos e escassez de alimentos. Além da população negra, os maiores impactos recaem sobre indígenas, ribeirinhos, povos tradicionais e outros grupos marginalizados. É lembrar que em todos os locais e contextos, o racismo reforça as desigualdades. E o que é justiça climática?A injusta exposição ao perigo, sofrido pela maioria dos brasileiros não brancos, não deve ser naturalizada. O risco é uma construção social arquitetada pelo Estado capitalista, este que ordena o território e condiciona determinados grupos a áreas marginalizadas. Por isso, é importante destacar que não há justiça climática sem justiça racial. |
Texto: Sofia Lanza, estudante de Jornalismo. Adaptado de matéria publicada originalmente no site da ECA