
Evento trará os resultados do projeto “Who Cares? Rebuilding care in a post-pandemic World”, uma iniciativa de pesquisa internacional liderada por professora da USP
Por Diego Facundini*

Entre os dias 14 e 16 de abril, mais de 70 pesquisadores, dentre eles cerca de 40 internacionais, falarão sobre o cuidado, em suas diferentes facetas e desigualdades, no maior evento internacional sobre o tema. O Colóquio Internacional Cuidado, Direitos e Desigualdades ocorrerá no campus Butantã da USP, na Casa de Cultura Japonesa, e marcará o encerramento do Who Cares? Rebuilding care in a post-pandemic World, um projeto de pesquisa coordenado pela socióloga e professora titular da USP Nadya Araujo Guimarães, fruto da colaboração entre seis países. Os pesquisadores debaterão os resultados das pesquisas feitas até agora. O evento também acompanhará o lançamento do Observatório Cuidado, Direitos e Desigualdades, que servirá como uma continuidade do projeto.
Segundo Nadya, esse cuidado do qual se fala é “uma relação em que o alvo é estabelecer ou restabelecer o bem-estar do outro. Então, quando eu falo que eu cuido de uma criança, ou de um idoso, que eu cuido de um ambiente ou que eu cuido da limpeza da casa, em todas essas situações (e a literatura trabalha com isso também), é como se você tivesse uma sorte de substrato ético no ato de se relacionar com uma outra pessoa ou coisas”.
O colóquio é o terceiro encontro anual de participantes do projeto, que foi iniciado em 2022. Os outros aconteceram em Paris, na França, em 2023, e em Montreal, no Canadá, em 2024. A socióloga destaca que, desta vez, o foco é abordar formas menos usuais de lidar com o cuidado, como o conceito do “descuido” ou formas coletivas de cuidado, que fogem do senso comum da relação entre apenas duas pessoas.

A ideia é pensar tanto com o mainstream da pesquisa no campo, tratando do trabalho de cuidado, os direitos e as organizações das trabalhadoras e as políticas públicas para o tema, quanto também com a contracorrente, isto é, o trabalho invisibilizado e não remunerado, o cuidado coletivo e o descuido com populações LGBTQ+.
Quem cuida?
O projeto Who Cares? é um produto direto do período da pandemia. Ele surgiu e conseguiu seu financiamento por meio da Trans-Atlantic Platform, uma plataforma de fomento para pesquisas no campo das ciências humanas e sociais fruto de uma parceria entre 16 instituições de financiamento de diferentes países (uma delas sendo a Fapesp). Mais especificamente, foi um dos 18 projetos ganhadores de um edital que mirava a pesquisa sobre a recuperação do mundo após a crise mundial da covid-19. O projeto ficou nas mãos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), do qual Nadya Araujo Guimarães faz parte, e que também passou a sediar a Rede CuiDDe – Cuidado, Direitos e Desigualdades, o braço brasileiro de pesquisadores do projeto.
Por meio de uma colaboração entre especialistas de seis diferentes países – Brasil, Colômbia, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e França –, o Who Cares? procurou entender tanto as diferentes formas como o cuidado se expressava nesses lugares como também entender o impacto da crise da pandemia nessa forma de trabalho e, assim, traçar estratégias de reestruturação, aprendendo com a heterogeneidade dos territórios estudados.
O foco era, sobretudo, nas pessoas que provêm esse cuidado. Daí o nome: em inglês, a pergunta pode significar tanto “quem se importa?” quanto “quem cuida?”. Nadya explica que, na literatura sobre o tema, o conceito é entendido não apenas como uma ética, mas também como uma forma de trabalho que por muito tempo foi invisibilizada.
“Para nós que fazemos pesquisa de campo, é muito recorrente quando a gente chega na casa de alguém, bate na porta, vai aplicar um questionário e pergunta ‘a senhora trabalha?’, ela dizer ‘não, eu sou dona de casa’, e ela diz esse ‘não’ com perfeita convicção. Ora, a gente sabe a quantidade de trabalho não remunerado e invisível que tem uma dona de casa”, afirma.
Segundo a socióloga, o objetivo era jogar o holofote justamente nessas parcelas ignoradas da sociedade, que são, em sua maioria, mulheres, e no caso do Brasil, mulheres negras. “Nós estamos falando de cuidadoras domiciliares de idosos, babás que cuidam de crianças pequenas em domicílio, empregadas domésticas que cuidam da casa e da comida, ou seja, fazem cuidado indireto, mas também mantém o bem-estar das pessoas. Mas estamos também falando de pessoas que trabalham em instituições – cuidadoras em dentros-dias, em escolas para crianças menores ou instituições de longa permanência para idosos dependentes”, lista.
O projeto serviu também para dimensionar o tamanho e a extensão desse mercado no País. Nadya aponta que 25% das pessoas ocupadas hoje se encontram em tarefas de serviços a pessoas, representando uma parcela substancial do setor de serviços, o que mais tem crescido nas décadas recentes. Na realidade, o crescimento dessa forma do trabalho de cuidado tem sido, segundo ela, quase exponencial, independentemente do estado da economia.
Apesar disso, no Brasil, o acesso a esse tipo de serviço também é extremamente desigual: apenas 20% da população consegue arcar com os custos. “Você está falando de um contexto em que a população envelhece, um contexto em que as mulheres estão mais no mercado de trabalho, ou seja, a necessidade de cuidado aumenta, o provimento do cuidado não remunerado relativamente diminui. Então você tem o que se chama de uma crise na oferta do cuidado”, explica. É um cenário que onera principalmente mulheres de diferentes faixas etárias com trabalho não remunerado.
O Who Cares? tem como fim último utilizar o conhecimento das pesquisas para pensar políticas públicas para o trabalho de cuidado. Não à toa, a Rede CuiDDe teve parte nos debates da Política Nacional de Cuidados, lei promulgada no ano passado com o objetivo de garantir o direito ao cuidado.
O Observatório Cuidado, Direitos e Desigualdades
O colóquio também servirá como uma antecipação do nascimento do Observatório Cuidado, Direitos e Desigualdades, uma forma de manter o projeto vivo mesmo após o seu fim. “Ao longo desses três anos, nós formamos uma rede de pesquisadores, uma rede interinstitucional, uma rede interdisciplinar e uma rede internacional. Nós não queremos perder isso que nós criamos. Então a ideia é manter essa rede unida, uma vez findo esse projeto que foi tão significativo, dando alguma forma de convergência a ela”, explica a professora.
O observatório envolve instituições que apoiaram o Who Cares?, como a USP e o Cebrap, instituições de fora do eixo de São Paulo e as fundações Arymax e José Luiz Egydio Setúbal. “A ideia é manter toda essa arquitetura unida com o alvo de pensar o cuidado do ponto de vista dos direitos e das desigualdades, para agir sobre isso”, completa.
Serviço:
Colóquio Internacional Cuidado, Direitos e Desigualdades (3° Colóquio do projeto Who Cares? Rebuilding Care in a Post Pandemic World)
Quando: dias 14, 15 e 16 de abril de 2025
Onde: Casa da Cultura Japonesa, na Cidade Universitária-USP (Av. Prof. Lineu Prestes, 159 – Butantã, São Paulo – SP, 05508-000)
Todas as seções terão tradução simultânea em português, inglês, espanhol e francês
Transmissão ao vivo pelo canal da FFLCH-USP
Link para inscrição: https://linktr.ee/redecuidde?utm_source=qr_code
Confira a programação completa aqui (em PDF).
*Estagiário sob orientação de Silvana Salles