
Parlamentar brasileira teve visto emitido com gênero masculino após nova diretriz do governo Trump que reconhece apenas dois gêneros. Medida também afetou outras figuras públicas, como a atriz Hunter Schafer.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) denunciou, nesta quarta-feira (16), ter sido vítima de transfobia de Estado ao ter seu gênero alterado para masculino durante o processo de emissão de um novo visto para entrada nos Estados Unidos. A parlamentar, uma das duas primeiras mulheres trans eleitas para a Câmara dos Deputados, protestou publicamente contra o ocorrido, chamando a medida de “violência institucional”.
Erika participaria de uma missão oficial nos EUA, mas se recusou a viajar após receber o documento com dados incompatíveis com sua identidade de gênero. Em discurso, criticou a política do governo norte-americano sob Donald Trump:
“É absurdo que o ódio que Donald Trump nutre e estimula contra as pessoas trans tenha esbarrado em uma parlamentar brasileira”, afirmou.
Ordem executiva de Trump impõe definição binária de gênero
A situação vivida por Erika Hilton é reflexo direto de uma ordem executiva assinada pelo presidente Donald Trump no primeiro dia de seu segundo mandato. A medida determina que o governo federal dos Estados Unidos reconheça apenas dois gêneros: masculino e feminino — definidos biologicamente no momento da concepção.
Segundo o texto da ordem, “será política oficial dos EUA que existam apenas dois gêneros, masculino e feminino”, com base em uma “realidade fundamental e incontestável”. Ainda de acordo com a diretriz, documentos oficiais, incluindo passaportes e registros de identidade, devem refletir essa lógica binária, descartando o reconhecimento de identidades não binárias ou transgêneras.
A ordem foi intitulada “Defendendo as mulheres do extremismo da ideologia de gênero e restaurando a verdade biológica ao governo federal”.
Medidas do governo Trump afetam população trans e políticas públicas
Desde que reassumiu a presidência, Trump tem assinado uma série de medidas com o objetivo de restringir direitos da população LGBTQIAPN+. A ofensiva começou logo na primeira semana de mandato. Veja algumas das ações já implementadas:
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20 de janeiro: Termos como “LGBTQ”, “transgênero” e “orientação sexual” foram removidos de sites governamentais.
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22 de janeiro: Programas de diversidade foram encerrados e servidores desses setores colocados em licença.
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24 de janeiro: Mulheres trans em presídios passaram a ser transferidas para unidades masculinas (medida suspensa em 4 de fevereiro).
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25 de janeiro: Emissão de passaportes com o gênero “X” (para pessoas não binárias) foi suspensa.
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27 de janeiro: Ordem abre caminho para banir pessoas transgênero do Exército — medida também suspensa pela Justiça.
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28 de janeiro: Transições de gênero para menores de 19 anos foram restringidas.
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29 de janeiro: Fundos para disciplinas que tratem de racismo e teoria de gênero nas escolas foram cortados.
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5 de fevereiro: Meninas e mulheres trans foram proibidas de participar de esportes femininos em instituições de ensino.
Durante discurso em evento com jovens conservadores, ainda em dezembro, Trump havia prometido “deter a loucura transgênero” já no primeiro dia de governo.
Outros casos: atriz Hunter Schafer e ação judicial coletiva
A parlamentar brasileira não foi a única afetada pela nova política. A atriz trans Hunter Schafer, conhecida por seu papel na série Euphoria, relatou nas redes sociais, em fevereiro, que teve seu passaporte reemitido com o gênero masculino após ter o documento original roubado.
A medida também está sendo contestada judicialmente. A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) move uma ação contra o governo federal em nome de sete pessoas trans afetadas pela ordem executiva. Entre elas, Ash Lazarus Orr, homem trans, denuncia as consequências diretas da medida:
“Isso está me impedindo de ter uma identificação precisa e a liberdade de circular pelo país, bem como internacionalmente. Isso prejudica minha vida e minha liberdade.”
A advogada da ACLU, Sruti Swaminathan, reforça:
“Esta não é uma política sobre passaportes. É uma política antitrans. Ter designações incorretas em documentos oficiais coloca essas pessoas em risco.”
Histórico de políticas antitrans
A nova ordem executiva resgata ideias já defendidas por Trump em seu primeiro mandato. Em outubro de 2018, ele tentou estabelecer que o sexo de uma pessoa fosse definido no nascimento e imutável ao longo da vida — medida que também enfrentou resistência e não prosperou à época.