
Pesquisadores estão acompanhando crianças com TEA em clínica odontológica especializada da USP; estudo ainda está em fase inicial
Por Diego Facundini*

Um estudo da Faculdade de Odontologia (FO) da USP procura entender como a saúde bucal pode impactar o comportamento de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A pesquisa acompanha crianças de 7 a 11 anos que passam no Centro de Atendimento a Pacientes Especiais (Cape) da FO, uma clínica odontológica especializada no atendimento de pessoas sistemicamente comprometidas, como pacientes com doenças infectocontagiosas, que estão em quimioterapia ou pessoas com distúrbios neuropsicomotores. O projeto, que é de longa duração, teve início no final do ano passado e ainda está em seus estágios iniciais.
De acordo com a professora Marina Gallottini, líder do projeto de pesquisa e coordenadora do Cape, o que despertou sua curiosidade para o assunto foi observar a demanda cada vez maior pelo atendimento especializado oferecido na clínica para pacientes autistas. Ela conta que os procedimentos odontológicos são muito detalhados e requerem um nível de cooperação que pode dificultar muito o atendimento de pessoas com distúrbios comportamentais. “As famílias nos procuram principalmente porque não encontram muitos dentistas para atender”, afirma.
A ideia é explorar a forma como doenças bucais como a cárie e a doença periodontal podem afetar a saúde geral das pessoas com TEA e, posteriormente, por meio do tratamento, modular o comportamento em direção a uma melhora. “A gente sabe que essas doenças podem aumentar a condição inflamatória local e sistêmica de um indivíduo e essa condição inflamatória aumentada pode favorecer a inflamação do sistema nervoso central, a passagem de metabólitos pela barreira hematoencefálica e com isso modificar comportamento”, afirma. Ela explica que a relação entre a inflamação sistêmica ou de focos de infecção com o comportamento já havia sido demonstrada anteriormente em estudos sobre o Alzheimer, o Parkinson, a depressão e outras condições neurológicas.
O estudo acompanha crianças autistas ao longo de seus tratamentos odontológicos e verifica se houve mudanças comportamentais. Funciona assim: após a anamnese (a primeira conversa entre o profissional e o paciente), os pesquisadores coletam informações sobre a saúde física e mental das crianças por meio de questionários e testes laboratoriais. As crianças passam pelo tratamento ao longo de diversas sessões. Com a saúde bucal restaurada, os pacientes são novamente submetidos aos questionários e à testagem. Os resultados também são comparados com um grupo-controle composto de crianças neurotípicas que passam pelo mesmo processo.

A pesquisa ainda se encontra em seus estágios iniciais e nenhum dos pacientes analisados concluiu seu tratamento, portanto ela ainda não pode prover resultados concretos. Porém, alguns responsáveis já têm relatado melhoras. “A gente percebe que, depois que as crianças aceitam e se acostumam com o tratamento odontológico, os pais relatam a melhora do comportamento em casa, na escola ou em situações em que, antes do tratamento odontológico, elas ficavam muito agitadas. Então tem uma modulação que a gente observa subjetivamente”, afirma Marina.
A professora espera que o estudo sirva para valorizar a importância da saúde bucal para essas crianças. “Por outro lado, pode ser que a gente precise alertar as políticas públicas e os órgãos que é importante o governo estar olhando para essas crianças e realmente facilitar a chegada delas a consultórios odontológicos especializados, porque a saúde bucal é importante para elas, não só em relação à boca propriamente dita, mas em relação ao seu comportamento global”, completa.
Um tratamento mais humanizado
O Cape foi criado em 1989, no auge da epidemia de HIV. O objetivo era tratar pacientes com HIV, distúrbios neuropsicomotores ou doenças sistêmicas crônicas. Hoje, o centro atende mais de 800 pacientes por mês e tem papel no ensino, na extensão e na pesquisa da FO.
É lá que são ministradas as disciplinas obrigatórias Patologia Oral e Maxilofacial e Odontologia Para Pacientes Especiais. Esta última começou a ser ministrada neste ano pela professora Marina Gallottini. A clínica também é usada pelos estudantes da pós-graduação para o desenvolvimento de suas teses.
Para a extensão, além do atendimento supervisionado na clínica, o Cape também sedia um curso de aprimoramento profissional no qual profissionais do Brasil e da América Latina estagiam por um ano na clínica, cumprindo também uma carga teórica. Ao final, recebem um certificado. Além disso, o espaço é usado para a realização de pesquisas clínicas e laboratoriais.
No ano passado, o Cape inaugurou a Sala Odontológica Sensorial (SOS-TEA), um ambiente criado especialmente para comportar as sensibilidades sensoriais de pessoas com autismo durante o atendimento. A sala é equipada com projetores e brinquedos lúdicos e suas paredes são pintadas em tons pastéis. “O objetivo é transformar este local, que seria um consultório odontológico, que é frio e causa, entre aspas, o medo do paciente, em um ambiente bem humanizado”, diz Marina. A sala foi financiada pela Colgate-Palmolive e a Latin American Oral Health Association (LAOHA).
*Estagiário sob orientação de Silvana Salles