Na era dos filtros e culto à juventude, recepção do público prova o ponto de ‘A Substância’

Por Lucas de Paula
Quando se lança uma obra para o mundo, o autor, às vezes, tem uma intenção clara com a mensagem que deseja passar; outras vezes, busca se comunicar de forma mais implícita. Entretanto, seja qual for a intenção do autor, escritor ou roteirista, as interpretações são subjetivas, e a arte ganha vida quando passa a ser interpretada pelo olhar alheio. Nem sempre o recado que se pretende deixar é realmente absorvido pelo público, e essa percepção equivocada de quem assiste acaba se tornando o que confirma o ponto ao qual se quer provar.
Em A Substância, Demi Moore e Margaret Qualley dividem a interpretação de uma mesma personagem por pouco mais de duas horas, cada uma com quase o mesmo tempo de tela que a outra. As duas dão vida a Elisabeth Sparkle, uma mulher em busca da juventude após ser dispensada de seu programa por ser considerada velha para a indústria, e Sue, a versão jovem de Elisabeth. A construção narrativa do filme propõe uma reflexão sobre a ditadura da juventude e como a sociedade descarta mulheres à medida que envelhecem.
A popularização do filme, que se tornou assunto por semanas no X, TikTok e qualquer rede social que fosse, entretanto, mostrou algo que talvez já se esperasse acontecer: o fato de que Margaret Qualley havia se tornado o rosto de divulgação da obra, e não Demi Moore. Mesmo que Moore tenha até mais tempo de tela, especificamente 59:17 (42,02% do filme), enquanto Qualley tem 57:36 (40,82%).
O público, seduzido pela aparência e pelo carisma da atriz, deixa então em segundo plano as camadas mais profundas da história. Entre edits de Qualley com músicas bonitinhas e memes no X, Demi Moore parecia ter ficado para o escanteio, enquanto a mais nova virava o rosto de divulgação do filme, até mesmo pela plataforma em que ele está disponível.
Tudo isso fica ainda mais claro quando, agora, no período de Carnaval, as fantasias usadas são o maiô rosa de Sue e seu rabo de cavalo, ao invés de símbolos que remetam à personagem de Moore. Em meio a isso, comentários sobre a vontade de querer sim tomar a substância para rejuvenescer, mesmo com todas as consequências mostradas no filme.
A figura da juventude, tão criticada no filme, passa a ser enaltecida por um público que, ao invés de trazer um olhar crítico para a obra, reforça tudo aquilo que ela abomina. A ironia máxima está no fato de que, mesmo dentro de um filme que critica essa obsessão, a juventude continua sendo a protagonista fora da tela.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.