
Por Julia Neves
No final da década de 70, em um período de transição política, surgiam movimentos que clamavam por mais liberdade e democracia. Em meio a esse cenário, no Nordeste – mais especificamente em Camaragibe – , destacava-se Josenita Duda, a mulher que se tornaria fundamental para o movimento LGBTQIAPN+.
Josenita Duda Ciríaco nasceu em Recife, mas viveu grande parte de sua vida na região metropolitana de Pernambuco, lugar que a batizou com o conhecido apelido ‘’Jô de Camaragibe’’, carregando o nome do município.
Metamorfose
É entre 1979 e o início da década de 80 que começa seu marco na militância. Como quem já previa a grande transformação que seria aquele ato, Josenita cria em sua casa a ‘’Festa da Metamorfose’’, um espaço de pertencimento, performances e muita festa. Em um momento em que havia tanto receio de expressar a sexualidade e a identidade, as pessoas que frequentavam a festa podiam se sentir acolhidas e protegidas ali, em meio a tantas outras que compartilhavam do mesmo sentimento.
Além disso, a festa também era de cunho educativo e político, contando com leituras e diálogos sobre a importância do cuidado com a saúde de pessoas homoafetivas.
Naquele momento, Jô se consagrava pioneira no movimento lésbico de Pernambuco, criando um lugar que antes não havia para a sua comunidade e ampliando o discurso do movimento LGBTQIAPN+ em seu estado.
Josenita ou Nita foi pioneira no movimento lésbico e na discussão da saúde LGBTQIA+
Nasce um movimento
Com o boom da institucionalização dos movimentos não governamentais, acontece o avanço dos movimentos comunitários. Nesse cenário, surge a Articulação e Movimento de Homossexual do Recife/Região Metropolitana/PE (AMHOR), um grupo histórico criado para enfrentar o apagamento e a marginalização das pessoas LGBTQIA+. Com isso, novos caminhos começam a ser construídos através do ativismo de Duda, após ela ser convidada para coordenar o movimento.
A AMHOR era um movimento misto, composto por homens e mulheres. Pensando em algo idealizado exclusivamente para mulheres lésbicas e bissexuais, alguns anos depois Josenita funda a Associação de Mulheres Entendidas (AME).
O termo ‘’entendida’’, usado popularmente de forma pejorativa para mascarar a identidade de mulheres lésbicas, ganha um novo significado dentro da Associação. Para a ativista, aquelas mulheres eram entendidas de leis, de direitos e de reivindicações.
Na AME, as mulheres aprendiam sobre questões muito importantes, como a cidadania das mulheres, os direitos humanos e a saúde. Também eram incentivadas a dar continuidade aos estudos.
Integrantes da Associação de Mulheres Entendidas – Foto: Ana Carla Lemos Cortesia
No primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), que aconteceu em 1996, no Rio de Janeiro, dentre as mais de cem mulheres de todo o país, Jô estava presente.
Foi nesse evento que foi instituído o dia 29 de agosto como o dia nacional da visibilidade lésbica.
Um legado que não morre
Além de fundar associações e eventos voltados para a comunidade lésbica e homoafetiva, Josenita Duda ainda participou do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Movimento Negro Unificado (MNU).
Ela era uma pessoa muito ativa em sua região, participando de todas as questões da comunidade e reivindicando as necessidades que ela e a população de Camaragibe possuíam, chegando a construir um centro comunitário.
Promoveu campanhas de prevenção a Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e doenças, inclusive a AIDS e era uma feminista nata, sempre priorizando as questões da comunidade feminina como pilar de suas ações.
Jô de Camaragibe faleceu em 2020, aos 63 anos, mas seu legado de luta, movimento popular e ativismo são imortais. No mesmo ano de sua morte, foi sancionada uma lei municipal que proíbe a nomeação de condenados pela Lei Maria da Penha para cargos públicos.
Em forma de homenagem, a lei possui seu nome ‘’Josenita Duda’’.
Conhecida por toda sua construção dentro do movimento lésbico e feminista, Jô é lembrada e homenageada por movimentos e instituições – Foto: Centro Integrado de Referência LGBT+