
Por Lilianna Bernartt
Vinte e três anos depois de reinventar o gênero distópico com uma câmera digital de baixa resolução, ruas desertas de Londres e o desespero cru de um homem acordando no fim do mundo, Danny Boyle (diretor), Alex Garland (roteirista), Anthony Dod Mantle (diretor de fotografia) e o próprio Cillian Murphy (protagonista do primeiro filme e um dos produtores deste) voltam ao universo devastado de Extermínio. Mas que fique claro: Extermínio: A Evolução é mais do que uma continuação — é uma reafirmação estética, política e narrativa; uma elegia visual sobre a permanência da violência na condição humana.
Para isso, o filme de 2007 (Extermínio 2 / 28 Weeks Later) é deixado de lado, e A Evolução retoma o legado original, 28 anos após o surto viral que transformou o Reino Unido em um inferno de infectados furiosos. Só que aqui, a fúria não é apenas a dos corpos contaminados — ela pulsa também nas entrelinhas.
A Evolução encara de frente a recorrência cíclica da violência humana, das guerras e do colapso social como sintomas permanentes de uma espécie em ruínas. O que está em jogo não são zumbis, mas a humanidade e a nossa insistência em repetir os mesmos gestos violentos em novos contextos.
Ao trabalhar com seres humanos infectados, as possibilidades narrativas se amplificam — agora, eles aparecem em variações mais complexas e estranhamente evoluídas. Não são monstros separados da humanidade, mas extensões dela. Aliás, uma das grandes sacadas da franquia é essa: os infectados são espelhos grotescos da própria humanidade, que continuam apresentando características evolutivas. Fica claro que, assim como as soluções evoluem, os problemas, se não tratados, evoluem na mesma medida.
Nesta parte da história, acompanhamos Spike (o ótimo Alfie Williams), um menino de 11 anos que vive em uma comunidade isolada pela alta e baixa da maré — ou seja, que só pode ser acessada durante a maré baixa. Na comunidade, que adota modos de vida feudais, a autossuficiência é a chave para a sobrevivência. Caça, agricultura e pecuária formam uma base sedimentada por anos de resiliência. Além desses elementos, há também o combate: crianças são treinadas desde cedo com arcos e flechas, e ensinadas a matar. O ritual que marca o início do ciclo de maturidade é justamente cruzar em direção ao continente dos infectados e realizar ataques.
Spike vai com seu pai (Aaron Taylor-Johnson) e conhece, pela primeira vez, a imensidão de fúria e beleza presentes no continente abandonado.
Impressionado com o espaço, o garoto deposita no continente — e na figura de um místico médico, Dr. Kelson (Ralph Fiennes) — as esperanças de salvar sua mãe (Jodie Comer), que sofre de uma doença não diagnosticada.
O roteiro de Garland cutuca e provoca, mesmo quando parece inofensivo. As figuras de Spike e Dr. Kelson contrastam e confluem no que diz respeito à perpetuação de movimentos cíclicos de violência: a perda precoce da inocência, o treinamento de novas gerações para a guerra — mesmo que disfarçado de “prevenção” ou “sobrevivência”. Ambos convidam à reflexão, a um chamado ético e existencial sobre a necessidade de responsabilização humana e de respeito à memória.
Isso contribui para a crítica política do filme no sentido de que não basta aceitar e reconhecer o caos, matar os infectados — é preciso identificar o significado do horror ali representado, interrogar suas causas, sua responsabilidade, sua narrativa, para que seja possível romper o ciclo da violência.
E tudo isso vem em ritmo frenético, que retoma a proposta do original. Se o primeiro filme já havia sido revolucionário ao usar câmeras digitais de baixo custo para captar uma Londres deserta com brutalidade e realismo, A Evolução retoma esse impulso: grande parte do filme foi rodada com iPhones 15 Pro Max, usando até 20 aparelhos simultaneamente em cenas nas locações brutais do norte da Inglaterra e de Yorkshire, resultando em uma imagem crua, imediata, que exalta a beleza do local e também remete ao desespero do original.

Anthony Dod Mantle, na direção de fotografia, entrega ruídos digitais, texturas ásperas e composições que lembram a linguagem fugaz das redes sociais, acentuando a imersão em um mundo onde o real e o virtual se embaralham, onde o horror parece ser transmitido em tempo real por câmeras sempre ligadas.
Extermínio: A Evolução é o tipo de filme em que vemos uma equipe afiada e dedicada a entregar um entretenimento de qualidade que, apesar de extremamente relacionado — ou passível de relação — com o passado, o presente e as possibilidades de um futuro iminente, ainda assim evita o didatismo. Não há analogias explícitas, bilionários vilanescos ou líderes carismáticos corrompidos.
A crítica é mais ampla, mais existencial: a violência é endêmica porque é humana. E é por isso que ela evolui com a gente.
Se o primeiro Extermínio já havia revolucionado o terror pós-apocalíptico ao dar peso social, político e estético a um gênero saturado, A Evolução confirma que a proposta de inovação permanece viva. Não é apenas mais um filme de zumbis ou infectados — é um estudo ácido sobre a repetição da violência, sobre a evolução dos nossos monstros, sobre guerras que não terminam, botas que não param de marchar, e homens que, geração após geração, seguem contaminando o mundo — com vírus ou ideologias.
E o melhor (ou o pior) é que isso é só o começo: o segundo capítulo da trilogia já está em fase de filmagem, com previsão para 2026, sob a direção de Nia DaCosta (Candyman). E em 2027, Danny Boyle retorna com (boatos correm) Cillian Murphy, para fechar com chave de ouro essa nova leva que promete elevar Extermínio de uma revolução isolada a uma verdadeira antologia sobre a persistência do colapso humano.
Começaram bem. Retomaram tão bem quanto. Que venham os próximos.