
Por Andresa Cardoso
Durante a madrugada desta quinta-feira (29), o cantor de funk Marlon Brandon, conhecido como MC Poze do Rodo, foi preso em casa por agentes da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Civil do RJ. O jovem de 26 anos está sendo investigado por apologia ao crime em suas músicas e por envolvimento com o tráfico de drogas.
Em imagens divulgadas pela imprensa, após ser algemado sem oferecer resistência aos policiais, o cantor ouviu a leitura do mandado de prisão preventiva e foi conduzido sem camisa e descalço até o carro que o levaria à DRE. Lá, teve sua cabeça forçada para baixo ao entrar no local. O ocorrido movimentou a mídia, e usuários das redes sociais repercutiram o caso, entre eles o advogado Ewerton Carvalho, que chamou a atenção para o uso das algemas.
De acordo com Ewerton, para que o cantor fosse algemado, ele precisaria oferecer algum risco de fuga ou representar perigo – é o que diz a Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal (STF). Carvalho diz que, “caso seja comprovado que os agentes policiais agiram de forma arbitrária, que a solicitação para o uso de algema não teve uma justificativa fundamentada e que a pessoa algemada tiver sido exposta, no caso o MC, ele pode processar civilmente pedindo por uma restituição de perdas e danos morais contra as autoridades policiais”.
Para o advogado, o mandado de prisão preventiva do cantor é desproporcional à pena que ele pode receber pelos crimes do qual ele está sendo acusado: “O crime de apologia às drogas tem uma pena ínfima, de três a seis meses, ou multa. Ele está sendo preso, na verdade, pelo crime de associação ao tráfico, mas é necessário que a polícia comprove que o cantor esteja de fato em conluio com os criminosos, e não apenas cantando em uma região onde existe o tráfico de drogas”.
O caso envolvendo o MC gerou debates sobre o racismo presente em nossa sociedade. Para Ewerton, houve uma tomada de decisão desmedida quanto à situação: “Um juiz que decreta uma prisão preventiva no cenário em questão já está reforçando um mecanismo que fortalece o racismo estrutural”. A antropóloga social Luciene Dias esclarece que racismo estrutural é uma forma de racismo que está profundamente enraizada nas instituições.
A antropóloga diz que, “quando uma prisão como essa acontece, a gente vê o corpo policial, que é a instituição que zelaria pela segurança da sociedade, operando de forma racista. A polícia, muito provavelmente, não aplicaria a mesma violência se a pessoa abordada não fosse uma pessoa negra”.
Além disso, o impacto social que a forma com que a prisão do MC foi executada é capaz de moldar a maneira que pessoas negras são vistas em sociedade, de acordo com Dias. Ela vai falar que, mesmo que o MC Poze do Rodo seja rico, isso não é suficiente: “No Brasil, não basta ser rico, tem que ser branco. Porque se você for rico e negro, você não consegue transitar livremente pela sociedade sem ser abordada com muita violência”.
Luciene finaliza, afirmando: “Se sambar é coisa de preto, se o funk é coisa de preto, se a cultura que tem uma matriz ancestral africana aplicada no Brasil é coisa de preto, ela [a cultura] vai sofrer, vai passar por um processo histórico de criminalização”.
Racismo como alicerce
Fabrício Rosa, vereador da cidade de Goiânia e ex-policial, chama a atenção para a seletividade policial, consequentemente, penal. De acordo com ele, “os profissionais abordam mais pessoas pretas, pobres e de baixa renda”. A fala de Rosa reflete os dados prisionais: No ano de 2024, o número de pretos e pardos presos era cerca de 425 mil, enquanto os brancos somavam 191 mil, segundo o Relatório de Informações Penais realizado pelo Sistema Nacional de Informações Penais (SISDEPEN).

O político, criador do Movimento Policial Antifascismo, também fala da política antidrogas brasileira e como ela molda a seletividade policial: “O que gera violência no caso do tráfico de drogas é a falta de um mediador, que seria o próprio poder público, por meio de um juiz, promotor, policial. A violência é gerada pela ilegalidade. O fato de estar em um local onde o Estado não alcança, faz com que a linguagem da mediação dos conflitos seja a linguagem da arma, da ameaça, da violência”.
O advogado Ewerton questiona: “Por que o Estado não deixa vencer, ou quando deixa, tenta derrubar de novo?”. Idealizador do Instituto Favela Forever Justiça e Liberdade, criado em 2014, Carvalho conta que foi no Centro de Detenção Provisória de Mogi das Cruzes, conhecido como Taboão, onde surgiu a ideia do Instituto. Na época, ao visitar seu irmão que fora preso, ele notou que as pessoas ali não tinham acesso à informação dos processos judiciais.
A democratização do acesso à Justiça mobilizou o advogado: “Saber o motivo da acusação, os recursos que são usados, como anda o seu processo; independentemente de culpabilidade ou não, é um direito saber e se defender, de ter acesso a isso”. Ainda na faculdade e até hoje, Carvalho atua na defesa de pessoas que são presas injustamente. Uma frase dita por Ewerton ecoa: “Como provar a inocência de quem já nasceu culpado?”.