
Por Kaio Phelipe
Ator, diretor e pedagogo, Caio Horowicz transita entre teatro, cinema e streaming. Agora, soma ao currículo um feito importante: faz parte do elenco de Ainda estou aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional e dirigido por Walter Salles.
Em 27 de março, estreou A batalha da rua Maria Antônia, de Vera Egito, e Caio pode ser visto no cinema em diversas cidades brasileiras. Filmado em 21 planos-sequência, o longa recria um dos confrontos mais marcantes da resistência estudantil contra a ditadura militar no Brasil. Caio dá vida a um dos jovens no embate entre estudantes da USP e do Mackenzie em outubro de 1968.
Formado em Artes Cênicas com habilitação em Direção Teatral pela ECA/USP e em atuação pela Escola de Arte Dramática (EAD/USP), Caio entrou para a lista da Forbes Under 30 em 2022, na categoria Artes Dramáticas.
Desde sua estreia no cinema com Califórnia, de Marina Person – que lhe rendeu o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Festival do Rio –, acumulou trabalhos em filmes como Zé, Música para morrer de amor e Hebe: A estrela do Brasil.
Confira a entrevista completa:
Como foi trazer o primeiro Oscar do Brasil?
Caio: Foi maravilhoso, foi espetacular, foi muito foda e muito especial. A ficha ainda está caindo e muito aos poucos. É muito louco, né? Durante as filmagens, a gente sabia que alguma coisa muito importante estava sendo feita.
Teve um dia que cheguei para ensaiar, olhava pro lado e estava o Walter Salles, a Fernanda Torres, o Selton Mello, a Valentina Herszage, o Humberto Carrão, a Helena Albergaria, o Dan Stulbach, a Camila Márdila, a Amanda Gabriel – que foi a preparadora de elenco. Era um time surreal. Para mim, era óbvio que algo imenso estava sendo feito, mas ainda não dava para ter a noção que o filme chegaria ao Oscar e, principalmente, que ganharia.
A gente começou a ter essa dimensão quando fomos para o Festival de Veneza, lá vimos que o filme tinha grande chance de disputar o Oscar. Quando foi para o Oscar, achávamos que o filme poderia levar. Mas, até o último momento, o Walter Salles estava muito cético. Foi uma surpresa maravilhosa quando aconteceu.
É um filme que desengasgou um grito brasileiro em relação ao cinema. É um grito de gol. Já era pra ter acontecido antes, com outros filmes. Mas calhou de ser agora, em um momento muito oportuno para o nosso cinema. Um momento muito oportuno também pra tratar sobre a ditadura militar e a resistência contra o fascismo crescente no mundo inteiro.
A gente está gritando e comemorando até agora.
Como é ver toda a mobilização do público para assistir Ainda estou aqui?
Caio: É uma coisa surreal, impensável. O principal prêmio é esse, na verdade. Não tem como falar que o Oscar não importa. Importa, sim, e muito. Mas o Oscar é reflexo dessa comoção e também um impulsionador para esse verdadeiro prêmio que é fazer as pessoas irem pras salas de cinema. É um público muito grande e não são apenas pessoas da minha bolha ou da bolha do cinema. É gente do país inteiro. Eu converso com pouquíssimas pessoas que não assistiram Ainda estou aqui.
Outro dia, eu estava conversando com um amigo meu, o Luciano Pedro Jr., que é um ator belíssimo de Maceió. Eu estava em Recife para o lançamento de A batalha da rua Maria Antônia. Nós fomos almoçar e ele me contou que foi em um shopping popular e viu uma fila enorme de jovens periféricos para assistir Ainda estou aqui, e que isso tinha emocionado ele. Obviamente, quando ele me contou, fiquei muito tocado e me emocionou muito também.
É um filme que todo mundo está indo assistir e é muito importante que isso esteja acontecendo. É um entusiasmo que está impulsionando todo o cinema nacional.
Qual memória da gravação guarda com mais carinho?
Caio: O momento do primeiro ensaio. Era o ensaio da festa de despedida da Veroca, que é a personagem da Valentina Herszage. A gente já estava fazendo a locação de uma casa na Urca (RJ), o lugar onde filmamos a casa dos Paivas, e também estávamos ensaiando lá. Eu lembro nitidamente de chegar ao set para o ensaio e o Walter Salles abrir os braços com um sorriso no rosto e dizer: Caio, que privilégio te ter aqui. Eu olhava para o lado e tinha um time de gigantes.
O Walter ficou muito emocionado e muito feliz com o teste que fiz. Reescrevi uma cena que eles mandaram e botei uma projeção do filme Terra em transe (Glauber Rocha). Era a oportunidade que eu tinha de fazer um teste maravilhoso pro Walter Salles. Mesmo que eu não passasse, eu queria fazer um teste incrível pra ele. Foi ótimo e deu certo.
A gravação da cena da blitz também foi um momento único. A gente fez a cena em um túnel no Centro do Rio de Janeiro. Fecharam o túnel e tinha um comboio de, mais ou menos, cinquenta carros, motos e tanques. Uma produção gigante. Filmamos lá durante o dia inteiro. Lembro de dirigir aquele carro da cena, que parecia uma banheira enorme. Teve uma moto que avançou um sinal vermelho no Centro e nós quase batemos, uma coisa muito louca, um carro muito difícil de dirigir. Eu dirigindo aquela banheira enorme, a Valentina filmando com uma Super 8 e o Walter no carro do lado. Foi tudo muito mágico.

Como foi receber o prêmio de melhor ator no Festival do Rio, com o filme Califórnia?
Caio: Foi incrível. Na época do Califórnia, eu estava no início da carreira. Já tinha feito dois trabalhos com o Cao Hamburger e o Teo Poppovic, que foi o Família imperial – uma série pro canal Futura –, e depois Que monstro te mordeu? – uma série pro canal Cultura. São duas séries que guardo com carinho no coração e duas grandes obras para o audiovisual brasileiro.
Aí fui fazer Califórnia, o meu primeiro longa, minha primeira experiência no cinema. Com a direção da Mariana Person, que foi brilhante. Até hoje ela é minha amiga, viramos melhores amigos.
Lembro que eu estava em São Paulo e recebi a ligação de uma produtora do Festival do Rio, perguntando se eu estaria presente na premiação. Eu disse que ainda não sabia, e ela respondeu que seria bom eu ir e tal. Liguei pra Mariana Person pra contar dessa conversa, ela ficou chocada. Então meio que já tinha uma grande possibilidade de levar o prêmio.
Eu estava concorrendo com gente muito grande. Mas uma coisa legal do Festival do Rio é que eles dão espaço para quem está começando. Me premiaram não por eu ser o melhor ator, mas porque existia o interesse de impulsionar a carreira de alguém que estava começando. Teve um júri muito legal, acho que o Walter Carvalho estava no meio. Foi um baita reconhecimento por um papel que me orgulho muito de ter feito.
Você atuou em muitos filmes que discutem a ditadura militar. Existe alguma relação entre eles?
Caio: Sempre fui muito interessando em política, sempre falei e conversei muito sobre esse assunto. Sou uma pessoa de esquerda e sempre me posicionei assim. Quando entrei na faculdade, me aproximei do Movimento Estudantil e fiz parte durante um tempo. Cheguei a ocupar a reitoria da USP durante uma greve. A história do Brasil também sempre me interessou.
Não gosto de pensar que um ator não deve se posicionar politicamente para não perder trabalhos. Se isso acontecer por conta da minha posição política, tudo bem. Mas é inegociável perder a minha identidade, a minha voz e deixar de abrir margem para a reflexão de outras pessoas.
Zé, Ainda estou aqui e A batalha da rua Maria Antônia são os três principais trabalhos meus que tocam no assunto da ditadura militar.
Ainda estou aqui retrata a história de uma família destruída por conta de uma perseguição política e de um assassinato.
Em Zé, dirigido por Rafael Conde, a gente também conta a história de uma família, mas principalmente de um cara que decidiu tomar a frente de um movimento, o Ação Popular, na luta de um campesinato no Nordeste. Esse homem deixou a própria vida de lado para cuidar de pessoas e ajudar na formação política delas, e depois ele foi perseguido e morto aos vinte e sete anos em 1973.
A batalha da rua Maria Antônia é um filme que fala do Movimento Estudantil em São Paulo e a perseguição durante a ditadura. Eu interpreto o Benjamin, que é uma figura inspirada no Zé Dirceu e em outros líderes estudantis.
Todos esses papeis tratam da ditadura, mas esse é um assunto interminável.
Quando decidiu ser ator?
Caio: Sempre quis ser ator. Na escola, eu já fazia teatro e já gostava de virar outras pessoas. Eu era muito tímido, mas no palco tudo era diferente. Eu ficava irreconhecível, me abria mais e me divertia muito. Então, fui entendendo que o palco, para mim, era um lugar de libertação. Eu notava isso e meus pais também percebiam.
Meus pais sempre me apoiaram muito. Estudei em escolas que incentivavam as artes, de uma maneira geral… as artes plásticas, a música, a literatura, o teatro. Acabou virando um caminho natural.
Quando eu estava no colégio, fazia aulas de teatro e tinha um grupo que acontecia toda quarta-feira, na parte da noite. Uma vez falei para o professor que o grupo estava ficando insuficiente pra mim, que queria um grupo de aprofundamento em atuação. Aí a gente fundou outro grupo, toda terça à noite, com menos gente, porém mais aprofundado. Até hoje esse grupo existe na Escola Nossa Senhora das Graças (SP), com o Rafael Masini, que foi um grande professor de teatro que tive e está lá até hoje. Ainda na época do colégio, trabalhei em Família imperial e Que monstro te mordeu?. Eu sabia que queria cursar direção teatral na USP e atuação na EAD (Escola de Artes Dramáticas da USP) e fiz esses dois cursos.
Meus pais sempre apoiaram. Nunca houve aquela conversa deles tentando me convencer a fazer outras coisas. Pelo contrário. Sempre me apoiaram e me deram muito suporte.
Como foi o processo de gravação do filme A batalha da rua Maria Antônia?
Caio: O filme é dirigido pela Vera Egito, uma editora de São Paulo que admiro muito. Esse filme é um projeto antigo dela. Íamos filmar antes da pandemia. A quarentena começou na semana que a gente ia começar a gravar. Tivemos que adiar e filmamos já no final da pandemia.
O filme foi gravado em duas semanas. É muito raro isso acontecer. As filmagens, geralmente, duram quatro ou cinco semanas para um filme de baixo orçamento. E é um filme todo em película preto e branco e em 16 mm, todo filmado em plano-sequência. São vinte e um planos-sequência em preto e branco. Isso fez com que a gente ensaiasse muito, como um processo teatral, e exigiu muita concentração. A gente não podia errar. Se errássemos, queimaríamos um filme inteiro.
Começamos esse processo quando a Vera Egito iniciou os testes. O primeiro teste já era uma oficina com todos os jovens que acabaram entrando para o filme. A Vera foi entendendo quais atores faziam sentido no elenco, qual personagem cada um poderia interpretar. Logo no primeiro teste, tomei um pouco a frente do grupo na improvisação. Isso fez com que eu interpretasse o Benjamin, que é um líder estudantil.
Quais são seus próximos projetos?
Caio: Teremos, provavelmente, uma nova temporada de A banda épica na noite das Gerais, que é uma peça que faço com a Companhia do Latão, uma companhia muito importante para São Paulo e para o Brasil.
Também teremos o filme O rei da internet, do Fabrício Bittar. O lançamento está previsto para o final de 2025. É uma obra bastante pop e que também irá furar bolhas. É a biografia de hacker brasileiro, que vai ser interpretado pelo João Guilherme.
Ainda tem alguns outros projetos que não posso falar, mas em breve estarão aí.
Para finalizar, pode indicar três filmes brasileiros?
Caio: Todo mundo precisa assistir Lavoura arcaica, do Luiz Fernando Carvalho. Sou fissurado por esse filme. O Selton Mello fez uma das atuações mais brilhantes que já vi na vida.
Gosto muito de No coração do mundo, dirigido por Gabriel Martins e Maurilio Martins. É uma obra da Filmes de Plástico, uma produtora de Contagem (MG).Sou suspeito pra dizer, mas A batalha da rua Maria Antônia é um filme que eu amaria assistir, mesmo se eu não estivesse no elenco. É uma obra-prima do cinema, que conta com uma fotografia impecável.