
Por Lucas de Paula
Mais do que influência dos estúdios ou relações de poder dentro da Academia, a corrida pelo Oscar deste ano ganhou ares folhetinescos e se tornou uma novela escrita a várias mãos por nós, brasileiros. Essa lógica, que nos é tão familiar, foi facilmente transportada para a disputa, transformando a briga entre os internacionais “Ainda estou aqui” e “Emilia Perez” em um folhetim com personagens bem definidos aos olhos do público. Essa obra aberta, onde tudo pode acontecer, tem sido influenciada pela viralização de declarações polêmicas e até mesmo pelo resgate de postagens antigas na internet. Na verdade, não tão antigas assim.
O brasileiro, letrado em novelas por décadas, se comporta nessa corrida pelo Oscar como se estivesse realmente assistindo a um embate entre mocinhos e vilões, algo comum no imaginário coletivo do país. Nós, por natureza, buscamos heróis e seus antagonistas, pois é a forma como aprendemos a ler histórias com o audiovisual mais popular por décadas: as novelas.
De ‘Vale Tudo’ a ‘Roque Santeiro’, ‘Avenida Brasil’ a ‘Senhora do Destino’, faz parte do nosso DNA entender as narrativas desta forma. Essa necessidade de criar heróis e vilões reflete um comportamento cultural que vai além do Oscar. Estamos acostumados a olhar para qualquer narrativa com essa lente dualista, seja na política, no esporte ou no entretenimento.
Emilia Perez e Sofia Gascon se tornaram nossa Carminha, só que sem o carisma da vilã mais popular da década de 2010. Enquanto isso, Fernanda Torres cumpre maravilhosamente o papel de heroína, com seu bom humor em entrevistas e traquejo social. Nela, vemos a figura da heroína que irá levar o nome do nosso país para fora e, por isso, merece nosso apoio. Com os personagens definidos, resta a execução do roteiro, independente da forma como iremos exercê-lo: seja por enxurrada de comentários no Instagram oficial do Oscar ou desenterrando declarações preconceituosas de Karla Sofia Gascón sobre grupos minoritários.
Dentre algumas postagens na rede social X, ela afirmou: “Eu realmente acho que muito poucas pessoas se importaram com George Floyd, um vigarista viciado em drogas”, referindo-se ao assassinato de um homem negro pela polícia estadunidense que deu projeção ao movimento Black Lives Matter. Sobre o islamismo, ela ironizou: “As mulheres são respeitadas e, quando são respeitadas, ficam com um pequeno buraco quadrado no rosto para que seus olhos fiquem visíveis e suas bocas, mas apenas se ela se comportar”. Nem a própria cerimônia do Oscar e o fato de estar se tornando minimamente inclusiva escapou: “Cada vez mais o #Oscar parece uma cerimônia de filmes independentes e de protesto, eu não sabia se estava assistindo a um festival afro-coreano, a uma manifestação do Black Lives Matter ou ao 8M”.
Alguns podem dizer que esse maniqueísmo não seja a melhor forma de trazer um olhar crítico ao cinema, principalmente em um ano onde há tanto a se falar. Entretanto, é o que faz sentido para um público acostumado a consumir histórias com uma estrutura tão dicotômica. E aliás, por que julgar os métodos se o que importa é o resultado? Não o da disputa, mas o das reflexões acerca de discursos rasos na tela. De que adianta fazer um filme com pretensão de representar minorias se nem mesmo a sua protagonista acredita nisso? A corrida pelo Oscar virou uma novela. E nós assistimos atentos com nossa pipoca, esperando o próximo capítulo.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.