a crônica da vida de Maria – Jornal da USP

Ainda que não tenha sido aluna ou professora da USP, Maria compreende a importância do seu trabalho diário para a excelência da Universidade. Para ela, cada contribuição, por menor que pareça, faz parte de uma grande e bela obra coletiva. Inspirada pelas palavras de Mário Sérgio Cortella, que comparou o papel de um instrumentista de címbalos (pratos) em uma orquestra à relevância de cada pessoa em projetos maiores, Maria vê nas suas atividades diárias um reflexo da grandiosidade que é a USP, percebendo que seu trabalho não se resume às suas tarefas específicas, mas ao impacto que ele gera no todo.
O dia de Maria começa cedo num passeio matinal com Caramelo, seu cão vira-lata de estimação. No ano anterior, após passar por uma consulta no Hospital Veterinário (Hovet) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, Caramelo foi diagnosticado com alergias alimentares. Desde então, Maria passou a comprar rações hipoalergênicas no site Petlove, fundado por um ex-aluno da FMVZ.
Após o passeio, Maria toma um café enquanto lê o jornal O Estado de S. Paulo – tradicional periódico comandado há décadas pela família Mesquita, à qual pertenceu Júlio de Mesquita Filho (ex-aluno da Faculdade de Direito – FD – da USP) que, juntamente com Armando Salles de Oliveira (ex-aluno da Escola Politécnica – Poli) e Fernando de Azevedo (ex-aluno da FD e primeiro Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH), fundaram a USP em 1934. A propósito, lembra-se que o primeiro deu nome à Unesp e o segundo, à Cidade Universitária da USP na Capital.
Depois de se atualizar com as notícias, Maria segue para a academia do bairro, agendando seu treino pela plataforma Gympass (atualmente denominada Wellhub), criada por ex-alunos da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP. Na sequência, leva seu filho – que nasceu no Hospital Universitário (HU) da USP e estudou na Escola de Aplicação da Faculdade de Educação (FE) da USP – ao cursinho pré-vestibular Objetivo, fundado por ex-alunos da Faculdade de Medicina (FM) da USP, dentre os quais, Drauzio Varella.
Para se deslocar ao seu local de trabalho, ela pede um carro da 99, aplicativo desenvolvido por ex-alunos da Poli. Recentemente, Maria havia vendido o carro e estimou o preço com base na famosa Tabela Fipe, criada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da FEA-USP.
Durante a corrida, a jovem e comunicativa motorista – que também é aluna, à noite, no curso de Bacharelado em Lazer e Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP – comenta que muitas avenidas e ruas de São Paulo têm nomes de personalidades que foram professores e alunos de unidades universitárias hoje integrantes da USP. Curiosa, Maria pede para dar uma volta pela cidade a fim de conhecer esses lugares. Atendendo à sua solicitação, a motorista a guia por vias muito conhecidas como a Av. Prof. Luiz Ignacio Anhaia Mello, Av. Paes de Barros, Av. Alcântara Machado, Av. Celso Garcia, Av. Rangel Pestana, Av. Prestes Maia, Av. Marquês de São Vicente, Av. Rio Branco, Praça Dr. João Mendes, Av. Prof. Noé Azevedo, Av. Lins de Vasconcelos, Av. Prof. Abraão de Morais, Av. Pedro Bueno, Av. Washington Luís, Av. Prof. Vicente Rao, Av. José Maria Whitaker, Av. Dr. Altino Arantes, R. Pedro de Toledo, Av. Conselheiro Rodrigues Alves, R. Oscar Freire, Av. Dr. Arnaldo, Av. Heitor Penteado, Av. Prof. Alfonso Bovero, Av. Diógenes Ribeiro de Lima, Av. Queiroz Filho, Av. Dr. Gastão Vidigal, Av. Dra. Ruth Cardoso, Av. Prof. Fonseca Rodrigues, Av. e Ponte Eusébio Matoso e Av. Prof. Francisco Morato.
Maria percebe que, durante todo o trajeto, passou apenas por uma avenida nomeada em homenagem a uma mulher, a Av. Ruth Cardoso. Intrigada, ela pergunta à motorista se existiriam outras vias com nomes de mulheres que foram professoras ou alunas da USP. A motorista confirma e explica que, embora menos conhecidas, há diversas outras, tais como a Av. Dra. Carlota Pereira de Queiroz, R. Dra. Maria Augusta Saraiva, R. Dra. Glete de Alcântara, R. Profa. Gioconda Mussolini, R. Profa. Ana Maria Lélis da Silva, R. Profa. Maria Vera Lombardi Siqueira, R. Profa. Suraia Aidar Menon, Praça Profa. Gisela Swetlana Ortriwano, Praça Profa. Marina França Padilha e Praça Profa. Emiko Sato Costa.
Na hora do almoço, Maria se encontra com duas amigas em um restaurante por quilo. Para pagar a conta, usa o cartão de débito do Banco Itaú Unibanco, resultante da fusão dos bancos Itaú e Unibanco, ambos fundados por ex-alunos da FD. Uma das amigas usa o cartão de crédito do Nubank, fintech cofundada por uma ex-aluna da EP, enquanto a outra prefere usar dinheiro vivo, uma lembrança do impacto do Plano Real, implementado em 1994 pela equipe liderada pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, ex-aluno e professor aposentado da FFLCH, que, em 1995, como é notório, tornou-se presidente da República.
À noite, Maria é recebida com um jantar especial: sanduíches Bauru do Ponto Chic, seu prato favorito. É seu aniversário, e a celebração inclui cantar, após o “parabéns pra você”, a tradicional complementação “É pic, é pic”, que seu filho conta ter sido criada por alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, assim como o famoso sanduíche. Maria solta uma gargalhada, achando que é pura invenção do filho, mas ele a desafia a pesquisar no Google.
No dia seguinte, Maria viaja de ônibus a São Pedro para uma capacitação organizada pela Escola USP de Gestão. Durante o trajeto, Maria sofre de enjoo. Por sorte, uma gentil servidora lhe oferece um Vonau Flash, remédio desenvolvido pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas em parceria com o laboratório Biolab, que rapidamente lhe cura o mal-estar. Maria aproveita o evento, aprende bastante e se diverte muito, até arriscando alguns passos e danças coreografadas. De volta a São Paulo, ela não precisa chamar um carro da 99. Uma amiga secretária, que gosta de colecionar coisas antigas, lhe oferece carona no seu carro-relíquia: um Gurgel Itaipu E 150 em excelente estado de conservação, considerado o primeiro veículo elétrico produzido no Brasil, nos anos 1970, por uma empresa fundada por um ex-aluno da EP.
Ao chegar em casa, faminta, percebe que o marido, distraído, esqueceu de lhe reservar comida para jantar. Ela resolve rapidamente o problema pedindo comida pelo iFood, aplicativo criado por ex-alunos da FEA e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq).
No dia seguinte, ao se lembrar que seus desengonçados passos dançantes da noite anterior foram gravados por diversos celulares, sente uma leve arritmia. Por precaução, consegue agendar uma consulta no Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, considerado um dos melhores centros especializados em cardiologia no mundo. Após o excelente atendimento, descobre que foi apenas uma crise de ansiedade. Porém, como sua pressão está um pouco alta, o médico receita-lhe Captopril, medicamento desenvolvido no Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Sugere também que ela atualize suas vacinas em local bem próximo ao Incor, na Faculdade de Saúde Pública (FSP), onde conhece a história do médico sanitarista Geraldo de Paula Souza, fundador da FSP e um dos membros fundadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) – entidade que foi essencial para a superação da pandemia de covid-19. Ali descobre que Geraldo era filho de Francisco de Paula Souza, que, além de ter dado nome ao Centro Paula Souza (CPS) – responsável pelas Fatecs do Estado –, foi um dos fundadores da EP, ao lado de Ramos de Azevedo.
Falando neste último, Maria, após ter atualizado sua carteira de vacinação, aproveita o dia para passear pelo centro de São Paulo com o marido e o filho. Eles almoçam no Mercadão Municipal e visitam o Theatro Municipal e a Pinacoteca do Estado, todos projetados por Ramos de Azevedo, lembrando-se que a Pinacoteca, mais tarde, foi reformada por Paulo Mendes da Rocha, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU) e vencedor do Prêmio Pritzker de arquitetura, considerado o “Nobel da Arquitetura”. No próximo passeio, a família pretende visitar o reformado Museu do Ipiranga, pertencente à USP.
Terminado o passeio pela região central da cidade, a família resolve ir a um shopping. Maria e o marido decidem assistir ao aclamado filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, ex-aluno da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e cuja irmã mais velha, também retratada no filme, é professora do Instituto de Psicologia (IP) da USP. Enquanto isso, o filho de Maria prefere ficar na livraria do shopping folheando: obras de Milton Hatoum (ex-aluno da FAU) e de Lygia Fagundes Telles (ex-aluna da FD), que cairão na Fuvest; livros de ciência em geral escritos por Iberê Thenório (ex-aluno da ECA) e Mari Fulfaro (ex-aluna de Terapia Ocupacional na FM), fundadores do Canal Manual do Mundo (Youtube); livros sobre as viagens incríveis de barco de Amyr Klink (ex-aluno da FEA) e de sua filha Tamara Klink (ex-aluna da FAU); e diversos livros de sua editora favorita, Companhia das Letras, fundada por Luiz e Lilia Schwarcz – ela, ex-aluna e professora da FFLCH-USP.
A família solicita um carro da 99 na saída do shopping. O motorista, com ótimo gosto musical, está ouvindo Rádio USP (FM 93,7), que toca um concerto da Orquestra Sinfônica da USP e, na sequência, uma música de Chico Buarque (ex-aluno da FAU). O destino é o Estádio do Morumbi – projetado por Vilanova Artigas, professor da FAU – onde assistem a um jogo de futebol do Soberano, o time da fé, que leva o nome do santo padroeiro da cidade e da própria Universidade. Após o jogo, chegam tarde em casa e, quando ligam a televisão para ouvir o noticiário, apenas dá tempo de ouvirem o inconfundível “Boa noite” de William Bonner, ex-aluno da ECA.
Décadas depois, Maria, com idade bastante avançada, parte serenamente enquanto dormia. Seu filho, agora servidor da USP – seguindo os passos da mãe –, leva-a ao Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (Svoc-USP), encerrando a história de quem tanto amou a USP e admirou tantas pessoas que fizeram parte da comunidade uspiana, formada pelo tripé servidores docentes, servidores técnico-administrativos e alunos.
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