
Manifestantes ignoraram ameaças de prisão para marchar por direitos, transformando evento em protesto em massa contra o governo de Viktor Orbán
Dezenas de milhares de manifestantes marcharam pela capital da Hungria no sábado (28), quando uma manifestação pelos direitos LGBT+ que havia sido proibida pelo governo de Viktor Orbán se transformou em um protesto em massa contra a gestão do primeiro-ministro.
Multidões lotaram uma praça perto da prefeitura de Budapeste antes de partir em caminhada pela cidade. Algumas pessoas agitavam bandeiras com as cores do arco-íris, enquanto outras carregavam cartazes zombando do primeiro-ministro.
“Isso é por muito mais do que apenas homossexualidade… Este é o último momento para defendermos nossos direitos”, disse Eszter Rein Bodi, uma das manifestantes. Um dos cartazes presentes na marcha trazia a frase: “Nenhum de nós é livre até que todos sejam livres”.
Pequenos grupos de contra-manifestantes de extrema-direita tentaram atrapalhar o desfile, mas foram contidos pela polícia, que alterou o trajeto da marcha para evitar confrontos.
O governo nacionalista de Orbán tem restringido gradualmente os direitos da comunidade LGBT+ nos últimos dez anos. Em março, legisladores aprovaram uma lei que permite a proibição de marchas do Orgulho, alegando a necessidade de “proteger as crianças”. Para os opositores, a medida faz parte de uma repressão mais ampla às liberdades democráticas em ano pré-eleitoral, quando Orbán enfrentará forte adversário da oposição.
Os organizadores do evento afirmaram que participantes vieram de 30 países, incluindo 70 membros do Parlamento Europeu. Mais de 30 embaixadas manifestaram apoio à marcha, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pediu às autoridades húngaras que permitissem a realização do desfile.
Setenta grupos da sociedade civil húngara — como a União Húngara das Liberdades Civis, a Transparência Internacional Hungria e a Comissão Húngara de Helsinque — publicaram uma carta aberta na sexta-feira (27) em apoio à marcha. No texto, as organizações afirmam que a lei que fundamentou a proibição policial “serve para intimidar toda a sociedade”.
O ativista Linus Lewandowski, fundador do grupo polonês de direitos LGBT+ Homokomando, participou da manifestação segurando uma bandeira do arco-íris, desafiando diretamente a proibição.
Consequências legais
“O direito de reunião é um direito humano básico e não acho que deva ser proibido. Só porque alguém não gosta do motivo pelo qual você vai à rua, ou não concorda com ele, você ainda tem o direito de fazê-lo”, declarou Krisztina Aranyi, outra participante da marcha.
O prefeito de Budapeste, Gergely Karacsony, tentou contornar a legislação organizando a marcha como um evento municipal — que, segundo ele, não exigiria autorização prévia. No entanto, a polícia proibiu o evento, alegando que ele se enquadrava na nova lei de proteção à criança.
Na véspera do ato, o primeiro-ministro Viktor Orbán alertou sobre “consequências legais” para os organizadores e participantes. Já o ministro da Justiça, Bence Tuzson, enviou uma carta a algumas embaixadas estrangeiras alertando que organizar um evento proibido pode ser punido com até um ano de prisão, enquanto participar configura contravenção. A legislação também autoriza o uso de câmeras de reconhecimento facial para identificar manifestantes e aplicar multas.
Karacsony reagiu com ironia às ameaças. “Se me prenderem por isso, minha popularidade vai aumentar. Mas não posso levar isso a sério”, afirmou em coletiva de imprensa.
Disputa eleitoral e tensões políticas
A marcha acabou se tornando um tema central no discurso político húngaro. Para o analista Zoltan Novak, do think tank Centre for Fair Political Analysis, o governo Orbán tenta retomar o protagonismo político por meio de pautas polêmicas. “Nos últimos 15 anos, o Fidesz decidiu quais temas dominavam o debate. Isso tem se tornado mais difícil agora, com o crescimento da oposição”, avaliou.
Segundo uma pesquisa recente, o partido de oposição Tisza, liderado por Peter Magyar, aparece com 15 pontos de vantagem sobre o Fidesz de Orbán. Embora evite tomar uma posição explícita sobre os direitos LGBT+, o Tisza defendeu o direito dos manifestantes à proteção estatal.
“Peter Magyar pediu às autoridades e à polícia húngaras que protejam o povo húngaro neste sábado, e também nos outros dias, mesmo que isso signifique enfrentar a arbitrariedade do poder”, declarou seu gabinete. O líder oposicionista, no entanto, não compareceu ao evento.
A Marcha do Orgulho em Budapeste, realizada no Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, ressoou como um grito de resistência em um país onde os direitos civis vêm sendo progressivamente atacados — e onde milhares de pessoas seguem marchando, mesmo sob ameaça de repressão.