
Por Andrew Leal e Waleska Queiroz
Publicado originalmente no Observatório das Baixadas
A primeira semana da 62° sessão dos Órgãos Subsidiários da UNFCCC (SB62), realizada de 16 a 22 de junho de 2025 em Bonn, Alemanha, começou com um atraso histórico de 30 horas devido a disputas procedimentais intensas, estabelecendo um tom tenso para as negociações climáticas cruciais que antecedem a COP30 no Brasil. A ausência sem precedentes dos Estados Unidos (lisd e o aprofundamento das divisões Norte-Sul sobre financiamento climático dominaram os primeiros dias, revelando um processo multilateral sob pressão significativa após os resultados controversos da COP29 em Baku.
O evento reuniu mais de 5.000 participantes. incluindo representantes governamentais, sociedade civil e observadores, todos trabalhando para reconstruir a confiança multilateral e estabelecer as bases técnicas para a COP30 em Belém. A conferência serve como o único espaço formal de negociação entre a COP29 e a COP30, carregando uma importância sem precedentes para o processo climático global.
Impasse técnico paralisa início das negociações
O bloqueio de agenda

As negociações foram paralisadas por mais de 30 horas devido a disputas fundamentais sobre itens da agenda, com a abertura programada para segunda-feira às 10h só ocorrendo na tarde de terça-feira. O Chefe Climático da ONU, Simon Stiell, declarou que “as últimas 30 horas foram difíceis e não refletiram a urgência que enfrentamos”, enquanto negociadores de países em desenvolvimento lamentaram que “quase um dia inteiro foi desperdiçado”.
As duas questões centrais do conflito
- Financiamento climático (Artigo 9.1): Os Países-Membros Menos Desenvolvidos (LMDCs) pressionaram para incluir discussões sobre a implementação do Artigo 9.1 do Acordo de Paris, que trata das obrigações de financiamento dos países ricos
- Medidas comerciais restritivas: Controvérsia sobre “medidas comerciais restritivas unilaterais” – código para as taxas de carbono nas fronteiras impostas pela UE e outros países desenvolvidos.
A resolução veio com um compromisso que adicionou ambas as questões ao plano de trabalho, mas não da forma como os países em desenvolvimento originalmente esperavam. As discussões sobre financiamento foram direcionadas para “consultas substantivas” pelos presidentes das sessões, enquanto as medidas comerciais foram relegadas a uma nota de rodapé.
Ausência dos EUA
Primeira vez na história da UNFCCC
Pela primeira vez desde a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, os Estados Unidos não enviaram delegação oficial para as negociações. O Departamento de Estado confirmou “não ter planos de enviar uma delegação” sob a administração Trump, marcando um rompimento histórico com a participação americana no processo multilateral climático.
A ausência dos EUA dominou as conversas nos corredores, com alguns vendo isso como potencialmente facilitador de negociações mais suaves sem um “retardatário” chave, enquanto outros expressaram preocupação sobre as implicações para a legitimidade do processo UNFCCC.
Financiamento Climático emerge como campo de batalha central

As discussões sobre financiamento climático se tornaram o epicentro das tensões políticas na SB62. A conferência apresentou as primeiras consultas sobre o “Roteiro de Baku para Belém” para mobilizar US$ 1,3 trilhão em financiamento climático até 2035, estabelecido na COP29. No entanto, diferenças fundamentais sobre quantias específicas continuaram a minar o progresso.
Posições conflitantes:
- Países em desenvolvimento: Grupos árabes e africanos propuseram US$ 1,1-1,3 trilhão anualmente para 2025-2030, exigindo compromissos concretos em dólares.
- Países desenvolvidos: Recusaram-se a discutir números específicos, levando a acusações de falta de sinceridade da China e outras nações em desenvolvimento
Resposta dos países em desenvolvimento:
- Negociador do Egito: “Não ouvimos nada deles sobre sua visão para o quantum”
- Arábia Saudita: “Sempre houve uma desculpa ou outra sobre por que não podíamos discutir quantum”
- China declarou: “umas nações insinceras e egoístas que não têm intenção de honrar tratados internacionais”
Adaptação ganha prioridade central
Meta global de adaptação (GGA) em foco

A primeira semana da SB62 testemunhou uma mudança significativa em direção à adaptação como prioridade igual à mitigação. O trabalho técnico avançou substancialmente na redução de milhares de indicadores potenciais para aproximadamente 100 métricas utilizáveis para medir o progresso em direção à Meta Global de Adaptação (GGA).
Processos técnicos importantes
- Workshop técnico mandatário examinou lista consolidada de 490 indicadores
- Oito grupos de especialistas técnicos apresentaram relatórios sobre consolidação de indicadores
- Programa de trabalho UAE-Belém avançando com workshops sobre estruturas de adaptação
- Primeira oficina sob o Trabalho Conjunto de Sharm el-Sheikh sobre agricultura e segurança alimentar
Tensões políticas persistem
- Países africanos e AILAC enfatizaram indicadores que rastreiam “meios de implementação” (financiamento, tecnologia, capacitação)
- Austrália se opôs a indicadores que distinguem entre países desenvolvidos e em desenvolvimento
- Japão se opôs a indicadores que medem fluxos financeiros de países desenvolvidos para em desenvolvimento
Dinâmica de grupo negociadores e sociedade civil
Posição dos principais blocos

O G77+China manteve sua posição tradicional enfatizando responsabilidades dos países desenvolvidos e princípios de Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas (CBDR-RC). O grupo insistiu que a Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG) deve estar de acordo com a Convenção e o Acordo de Paris, com países desenvolvidos cumprindo compromissos baseados em princípios de equidade.
A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS) e os Países Menos Desenvolvidos (LDCs) enfatizaram conjuntamente que o financiamento para perdas e danos deve vir predominantemente de dinheiro público e baseado em subsídios. Expressaram frustração com limitações de capacidade devido ao aumento de itens da agenda, falta de participação virtual e questões de visto.
A União Europeia adotou uma postura mais acomodativa, propondo expandir discussões do Artigo 9 além das obrigações dos países desenvolvidos para incluir contribuições voluntárias. Sugeriu expandir o status de contribuinte baseado em condições econômicas, emissões ou membership institucional (G20, OCDE).
Sociedade civil pressiona por justiça climática
A Climate Action Network (CAN) emitiu demandas firmes por resultados centrados na justiça, criticando a falta de vontade política insuficiente das nações ricas. Organizações ambientais expressaram frustração com o lento avanço e pediram ação mais ambiciosa, destacando o contraste entre impactos climáticos que se agravam e a falta de vontade política.

Questões técnicas e burocráticas em andamento
Artigo 6 e o mercado de carbono
As regras do Artigo 6 foram finalizadas na COP29, apesar das preocupações com integridade. O Corpo Supervisor aprovou metodologias para o mecanismo do Artigo 6.4, com vários países avançando regulamentações nacionais de mercado de carbono. No entanto, persistem preocupações sobre mercados de carbono voluntários devido a mecanismos de supervisão fracos.
Estrutura de transparência aprimorada
A implementação da Estrutura de Transparência Aprimorada (ETF) avançou com os primeiros Relatórios de Transparência Bienais (BTRs) devidos de países desenvolvidos. Workshop sobre BTRs facilitou o compartilhamento de experiências de países em desenvolvimento, com foco em suporte para relatórios tanto financeiros quanto técnicos.
Programa de trabalho sobre a transição justa
Itens não resolvidos da COP29 continuaram sob a Regra 16 dos Procedimentos da UNFCCC. A primeira semana incluiu consultas informais sob grupos de contato, mas nenhum acordo foi alcançado até o final da primeira semana.
Preparação para a COP30 em Belém
O papel ativo da presidência brasileira

O Brasil desempenhou um papel ativo e construtivo durante a primeira semana, com André Godinho, Secretário Extraordinário da COP30 do Município de Belém do Pará, entregando a declaração das Autoridades Locais e Municipais na plenária de abertura. A presidência da COP30 enfatizou implementação inclusiva e ação multinível.
A iniciativa “mutirão global” (ação coletiva) do Brasil representa uma tentativa de restaurar o espírito colaborativo às negociações após as tensões da COP29. O país posicionou o financiamento climático como central para o sucesso da COP30, com ênfase particular na adaptação como prioridade chave.
Desafios de infraestrutura
Segundo a presidência, os preparativos de infraestrutura em Belém avançam com investimento de US$ 4,7 bilhões, enfrentando o desafio de acomodar mais de 60.000 participantes com infraestrutura limitada. O Brasil está equilibrando inclusividade com restrições logísticas, integrando perspectivas amazônicas e indígenas nas negociações.
Conclusão

A primeira semana da SB62 revelou um processo de negociação climática caracterizado por divisões Norte-Sul persistentes, confiança erodida após a COP29, e urgência crescente por ação transformativa. O atraso histórico de 30 horas na abertura serviu como metáfora para os desafios mais amplos que enfrentam a ação climática multilateral numa era de tensões geopolíticas crescentes.
O financiamento climático se consolidou como o campo de batalha central, com países em desenvolvimento cada vez mais assertivos em exigir compromissos concretos ao invés de promessas vagas. As lutas procedimentais sobre itens da agenda foram realmente batalhas por procuração sobre se países ricos serão responsabilizados por suas obrigações de financiamento climático.
A presidência da COP30 do Brasil enfrentou o desafio de reconstruir confiança e momentum após as negociações brutas da COP29, com sua abordagem de “mutirão global” representando uma tentativa de restaurar o espírito colaborativo às negociações. O sucesso desta abordagem seria testado nos dias restantes da SB62 e, em última análise, na COP30 em Belém.
A questão fundamental que emergiu da primeira semana é se a cooperação climática multilateral pode funcionar efetivamente num ambiente geopolítico cada vez mais fragmentado. Com impactos climáticos se acelerando e o tempo para ação limitada se esgotando, as negociações da SB62 representaram tanto uma oportunidade crítica quanto um teste de estresse para o sistema climático global. A capacidade de traduzir o trabalho técnico da SB62 em momentum político para a COP30 determinará se 2025 marcará um ponto de virada para a ação climática global ou uma maior fragmentação do processo multilateral.